“Premiação 2017 destacou pesquisa de cientista brasileiro sobre amamentação”
por César Soares
Foram necessários 58 anos de espera desde a primeira edição do renomado Prêmio Canadá Gairdner, em 1959, para que o Brasil entrasse para lista dos agraciados. No último dia 28 de março, o epidemiologista César Victora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul foi anunciado como vencedor da categoria Saúde Global: John Dirks Canada Gairdner Global Health Award, com a comprovação de que a amamentação exclusiva, até os seis meses de idade, impacta diretamente na saúde materno-infantil e no desenvolvimento adulto.
A conquista veio por meio de uma pesquisa iniciada em 1982 por Victora, que revisou óbitos infantis nas cidades de Pelotas e Porto Alegre e começou a documentar nascimentos distribuídos em grupos que são monitorados até hoje. Estes estudos mostraram que a alimentação exclusiva com o leite materno nos primeiros seis meses de vida reduzia em 14 vezes o risco de óbito infantil por diarreia e em 3,6 vezes o risco de óbito infantil por infecções respiratórias. Essas descobertas provocaram mudanças internacionais de políticas públicas que passaram a ser recomendadas pelo Unicef e Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mesmo com uma agenda intensa de viagens devido aos projetos e pesquisas que coordena, o professor emérito da UFPel, César Victora reservou um tempo para conversar com o jornalista colaborador da Brazilian Wave, no Brasil, César Soares**.
Foi a primeira pesquisa no mundo que comprovou a importância do aleitamento materno exclusivo.
Wave – O que representa para o senhor a conquista deste prêmio inédito no Brasil?
Victora – É o reconhecimento internacional de pesquisas que são feitas aqui na Universidade Federal de Pelotas nos últimos quarenta anos. Um processo gradual em que nós viemos acumulando dados e resultados de distintas pesquisas, principalmente o estudo que nós fizemos na década de 80.
Wave – Como foram desenvolvidas essas pesquisas?
Victora – Foram duas pesquisas. Na primeira nós comparamos cerca de duas mil crianças que morreram no primeiro ano de vida com vizinhos dessas crianças que não haviam morrido. A principal conclusão foi que as crianças que recebiam somente leite materno até os seis meses de vida tinham índice menor de mortalidade do que aquelas que recebiam água, chá ou suco. Foi a primeira pesquisa no mundo que comprovou a importância do aleitamento materno exclusivo. E na segunda pesquisa, nós acompanhamos até hoje, 35 anos depois, todos os nascimentos em 1982.
Wave – Esses estudos também trouxeram evidências da relação entre o tempo de amamentação com maiores níveis de inteligência, escolaridade e até renda aos 30 anos. Como isso ocorre?
Victora – O leite materno possue substâncias que são essenciais na formação do cérebro, são as moléculas que ajudam a arquitetura cerebral. A criança amamentada desenvolve sua inteligência, ela tem mais sinapses entre os neurônios do cérebro, e esse efeito nós conseguimos constatar que aos 30 anos de idade, além de mais inteligência estes adultos tinham mais escolaridade e maior renda no trabalho devido à sua capacidade produtiva e intelectual.
o Prêmio Gairdner já está de bom tamanho pois é um dos prêmios mais prestigiados do mundo e estou muito satisfeito
Wave – Na prática, quais são as contribuições que estes estudos científicos trouxeram para a sociedade?
Victora – O fato é que os resultados dos nossos estudos passaram a ser adotados por órgãos internacionais das Nações Unidas (Unicef/OMS) e recomendados em todos os países. É aí que vale a pena fazer pesquisa. Não é somente aquela publicação acadêmica numa revista que, relativamente, pouca gente lê, mas uma política pública que mudou as práticas de saúde no mundo.
Wave – O prêmio Canadá Gairdner existe há quase 60 anos. Por que o senhor acha que demorou tanto para o Brasil conquistá-lo? Na sua opinião, ainda faltam investimentos na pesquisa científica no país?
Victora – Nós enfrentamos a pior crise das últimas décadas na pesquisa científica. O Brasil teve um desenvolvimento muito grande da ciência e da tecnologia a partir dos anos 90 e 2000, com aumento de curso de doutorados e verbas, mas agora devido às medidas do novo governo com restrições muito sérias para as ciências, os cientistas brasileiros se encontram em “pé de guerra”. Eu faço parte da Academia Brasileira de Ciências e nós lançamos manifestos semanalmente alertando o governo que investir em ciência é um investimento para o futuro.
Wave – Ao menos 84 premiados com o Gairdner já receberam também o Nobel de Saúde ou de Fisiologia. Como o senhor vê essa possibilidade?
Victora – A minha expectativa é zero. Porque em geral o Nobel vai para quem inventa um medicamento, uma vacina, ou descobre algum mecanismo de biologia molecular. Eu acho que não tem chance nenhuma de um epidemiologista ser contemplado porque o Nobel prioriza a ciência básica. Mas o Prêmio Gairdner já está de bom tamanho pois é um dos prêmios mais prestigiados do mundo e estou muito satisfeito.
Wave – E qual é a expectativa pra receber o prêmio no Canadá?
Victora – Muito boa. Vai ser no dia 26 de outubro, vou levar a minha família estaremos todos lá para comemorar.
*César Soares é licenciado em Letras e jornalista com experiência nas principais emissoras de televisão afiliadas a TV Globo, nos estados da Bahia e no Rio Grande do Sul. Atualmente é coordenador de jornalismo da TV Câmara na cidade de Pelotas, no sul do país.