Pioneirismo e competência fazem do Brasil referência em biocombustível.
Por Lúcio Mesquita*

O Brasil é pioneiro e domina muito bem a tecnologia de biocombustíveis, mas precisa ainda achar uma fórmula mágica para não ver o etanol feito a partir da cana cair na mesma armadilha de outros grandes produtos da agricultura brasileira.
É impossível negar que o programa de álcool combustível, ou etanol, deu certo no Brasil. É claro que muitos brasileiros foram testemunhas dos desafios tecnológicos e políticos do programa ao longo dos anos. Mas boa parte deles tem uma explicação histórica porque, enquanto se fala muito aqui na América do Norte, em E10 ou E85, no Brasil, já havia veículos rodando com E100 nos anos 80!
Essa classificação diz respeito ao teor de etanol na mistura com a gasolina. A composição de um combustível E10 é 90 por cento gasolina e 10 por cento etanol, enquanto E100 significa 100 por cento etanol. Ou seja, já faz mesmo tempo que o Brasil tem carros rodando com combustível 100 por cento etanol. Mas aqui vale lembrar que esse pioneirismo teve seu custo, como aqueles carros que não pegavam nunca em dias frios, os tanques corroídos e até a famigerada falta de etanol nos postos brasileiros, em uma crise que parecia que ia sepultar de vez o programa brasileiro do álcool, ou PROALCOOL.
Quem diria que haveria tamanha reviravolta no cenário do etanol? Com o constante aumento dos preços do petróleo, o desenvolvimento dos carros Flex Fuel, que podem rodar com qualquer mistura de etanol e gasolina, e toda a preocupação com os gases de efeito estufa, o etanol renasceu. E passou a ser uma grande esperança brasileira de bons negócios.
Cana versus milho
O Brasil e os Estados Unidos são os maiores produtores de álcool combustível, com uma produção em 2005 que chegou a 16 bilhões de litros em cada país — no Canadá, no mesmo período, foram produzidos 230 milhões de litros. Mas existe uma diferença enorme entre o produto brasileiro e o da América do Norte. No Brasil, o etanol é produzido basicamente a partir da cana-de-açúcar, enquanto por aqui a matéria prima principal é o milho.
Acontece, porém, que o etanol da cana custa cerca de 40 por cento menos para ser produzido, usa quase três vezes menos terra para produzir um litro de combustível, e ainda gasta muito menos energia para ser produzido. Aliás, a quantidade de energia usada na produção de etanol através do milho é fruto de constante discussão científica, com alguns pesquisadores concluindo que o etanol a partir do milho dá prejuízo energético, isto é, gasta-se mais energia para plantar e fabricar o produto do que se obtém no final, ao usar o combustível.
Por outro lado, vale lembrar que a maioria dos estudos ignora o problema da queima da plantação da cana-de-açúcar que, em geral, antecede a colheita no Brasil. E quem já viveu nas regiões de plantação sabe o quanto é poluente esta prática…
Polêmicas à parte, o uso do etanol continua a crescer. O governo canadense lançou em 2006 uma iniciativa para aumentar o teor de etanol na gasolina, de um para cinco por cento até 2010. Mas os governos de Ontário e Saskatchewan se anteciparam à medida, e já em 2007 já tinham obrigatoriedades de 5 e 7,5 por cento, respectivamente.
Vantagem real?
Dentro desse cenário, o Brasil deve se beneficiar com o aumento do uso do etanol na América do Norte, mas isso dependerá do lobby dos fazendeiros e produtores locais. Os Estados Unidos, por exemplo, impõem uma tarifa de importação de cerca de 14 centavos de dólar por litro, o suficiente para proteger as empresas beneficiadoras americanas assim como os fazendeiros de milho, que já são mesmo detentores de ricos subsídios.
Assim, enquanto as discussões sobre os benefícios ambientais do etanol prosseguem, o Brasil vai tentando se posicionar de forma privilegiada em uma provável corrida na direção de combustíveis renováveis, ou biocombustíveis. Resta saber se a agricultura vai conseguir mesmo fornecer essa vantagem estratégica a uma nação que não faz parte do time dos países mais ricos do mundo. Os exemplos passados de outras culturas, como o açúcar, o café e o cacau, mostram que não.
*Lúcio Mesquita é engenheiro mecânico com PhD pela Queens University.