por Marta Almeida
O ano, 1986. Depois das tentativas frustradas de cortar zeros na moeda e controlar o dragão da inflação, o Brasil entrou em parafuso. O dinheiro não valia nada! O salário não dava para cobrir o básico. O desemprego assombrava principalmente as gerações mais novas. A situação difícil levou centenas de brasileiros aos aeroportos. Os Estados Unidos eram a esperança de dias melhores. Mas para as amigas de infância mineiras Lúcia e Júlia, o fato de viver na cidade vizinha a Governador Valadares já era certeza de visto negado. Foi quando os rejeitados nos consulados americanos descobriram que para entrar no país um pouquinho mais acima, o Canadá, nem visto precisava!
A aventura foi decidida em família, as duas iriam primeiro, depois o restante dos irmãos de cada uma. Malas novas, roupas de grife compradas a prestação e suados mil dólares no bolso. – tudo para impressionar a imigração canadense. As duas amigas mal conheciam Minas Gerais. O Rio de Janeiro já foi um deslumbre e na hora de embarcar para Toronto, o primeiro contato com um voo internacional, aliás com um voo comercial foi um grande desafio.
As passagens compradas na promoção das promoções não deram sequer direito às duas de se sentarem juntas. Lúcia ficou mais no fundo do avião, Júlia mais perto da cabine. Lúcia, mais tímida se controlava ao máximo para não dar vexame. Júlia desinibida passeava por todo o avião, saboreando cada detalhe de seu primeiro voo, e voo internacional!
Lúcia! Você já viu o tamanho deste avião? E quanta gente cabe aqui! Já vi um monte de gente conhecida! Ipatinga está todinha indo embora também!
Júlia, acho melhor você ir pro seu lugar! Vai que alguém senta lá e você vai ter que viajar de pé !
Será? Vou correr então!
As aeromoças ajeitam tudo. Portas travadas e decolagem autorizada. Aquele gigante barulhento ganhando altura deixou as amigas apavoradas, mas quando o avião se estabilizou logo as duas se acalmaram. O stress só voltou assim que o serviço de bordo começou. Júlia preocupada com a aproximação do carrinho com o jantar não se conteve. Correu até onde a amiga estava e aflita perguntou:
Lúcia, me dá uns trocados aí rapidinho!
Pra que Júlia?
É que aqui também tem os carrinhos de lanche igual do trem para Vitória e eu estou com uma fome terrível! Será que é muito caro?