Na coluna “Opinião” Rogério Silva relembra uma das maiores tragédias ambientais na história brasileira: o rompimento das barragens de Mariana, Minas Gerais.
por Rogério Silva

Uma fotografia antiga pendurada no que restou de uma parede. Uma penca de chaves de portas que não existem mais. O solo petrificado pelos rejeitos que escoaram da barragem e, provavelmente, fossilizaram corpos que jamais serão resgatados. A barragem de Mariana no interior de Minas Gerais se rompeu no dia 5 de novembro de 2015. Ficava no distrito de Bento Rodrigues e por conta do depoimento de todos os moradores que se pronunciaram a respeito, era um vilarejo encantador, aprazível, ideal para quem lá escolheu viver.

Mas apesar de bucólico, o lugar não se sustentaria apenas pelo seu romantismo. Dependia economicamente da Mineradora Samarco, exploradora de minérios, fonte de riqueza do estado com o maior número de municípios do Brasil. Minas Gerais tem mais de 500 barragens de rejeitos, piscinas que represam tudo o que não interessa após a extração. Se não bem controladas e monitoradas, viram bombas relógio, a qualquer momento explodem.
62 milhões de metros cúbicos de lama foram despejados de uma só vez. Algo como 25 mil piscinas olímpicas. E o curso encontrado foi o leito do Rio Doce. O governo brasileiro classificou o episódio como “a maior tragédia ambiental já registrada no país”. O tsunami interferiu num ecossistema de grande parte dos 853 quilômetros do rio, que nasce na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais e deságua no Oceano Atlântico, no litoral do Espírito Santo.
Feito o estrago, que mescla o geográfico e o ambiental, parte-se para o embate jurídico e as discussões nos tribunais. As cifras estabelecidas para indenizações, programas de recuperação e assistência a famílias impactadas giram na casa dos 20 bilhões de reais. Mas isso não é tudo. Ninguém no Brasil acredita no efetivo desembolso dessa quantia para reverter o quadro. É o desassossego de uma população que já viu e viveu tantos absurdos, que somem dos noticiários com o passar dos tempos e se transformam em recordações.

Quem bate, esquece. Quem apanha, jamais. É bem possível que só as vítimas levem essas lembranças doídas até a morte. Já vimos filmes assim antes. A Mariana de hoje é o Césio 137 de 28 anos atrás em Goiânia, é o Bateau Mouche do Réveillon de 1989 na Baía de Guanabara, é o deslizamento com a morte de mais de 700 pessoas na região serrana do Rio no verão de 2011, que arrastou ainda milhões de reais pelo ralo da corrupção. O montante nunca chegou a quem deveria. A Mariana de hoje é a boate Kiss de 2013, com seus 242 jovens sufocados pela fumaça irresponsável de quem priorizou dinheiro em vez de segurança. Ninguém está preso, a não ser as famílias vitimadas pelas perdas, presas àquela noite de sábado que nunca acabou.
Se a natureza for mesmo capaz de perdoar a mão humana, daqui a algumas décadas o Rio Doce voltará a ser um rio novamente. Sem suas 80 espécies de peixes e outras formas de vidas aquáticas, é verdade – fala-se na extinção de pelo menos 11 delas – mas com a força de um ecossistema generoso para quem dele dependa. Por ora, só as lágrimas podem repor a água límpida varrida pela lama dos rejeitos de minério.