Entrevista com Caroline Blumer, London, Ontário

Transcrição da entrevista, em áudio, com Caroline Blumer: London, Ontário

Olá, eu sou Christian Pedersen e este é mais um episódio da série “Ontário não é só Toronto”. Neste episódio, a pergunta é: por que a Caroline foi morar em London? Calma! Não é London, na Inglaterra, mas é a London (Londres) de Ontário. Pois é, existe uma London no Canadá, com pouco mais de 300 mil habitantes e que fica situada a mais ou menos 200 km a sudoeste de Toronto. Basicamente, no meio do caminho entre Toronto e Detroit, nos Estados Unidos. Quem foi parar em London foi a Caroline Blumer, que há pouco mais de dois anos trocou Campinas pela cidade canadense, para fazer um doutorado.

Christian: Caroline, tudo bom?

Caroline: Olá. Tudo bem, Christian, e você?

Christian: Tudo ótimo! Obrigado por participar do nosso Podcast. Como surgiu a sua paixão pela cultura popular e pelo ensino de música para pessoas com deficiência?

Caroline: Eu trabalho com música e venho de uma família de músicos. Então, na verdade, a minha história com a música começou muito cedo. Sou musicista profissional e educadora musical. Há mais ou menos uns 12 anos atrás, eu estava trabalhando na área de teatro musical e fui convidada para dirigir um espetáculo inclusivo. Eu não tinha muito bem a ideia do que era isso, do que representava o espetáculo musical inclusivo. Fui trabalhar com os atores e bailarinos e fazer a preparação vocal e a direção musical do espetáculo. Foi daí que comecei a me envolver com pessoas com deficiência: fazendo arte, fazendo música. Daí, também, me envolvi com uma parte da educação musical: em desenvolver estratégias, em desenvolver maneiras de interagir, de trabalhar a música e os elementos da música com as pessoas com deficiência. E na verdade, abrindo um pouco mais para esta questão da inclusão de uma forma geral, da diversidade. Foi inusitado para mim. Foi extremamente marcante e foi um divisor de águas na minha carreira como artista (porque eu sou Performance, também) e como educadora. A partir daí, eu comecei a ver as coisas de uma forma um pouco mais ampla e a criar…, no sentido de ter mais flexibilidade na criação artística mesmo.

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Christian: Você terminou o seu mestrado em 2018 e chegou aqui em 2018. Como foi isso tudo?

Caroline: Na verdade, assim….meu marido também é músico e já faz algum tempo que a gente estava querendo ter uma experiência de morar fora. Nós dois trabalhamos com Jazz, com a música americana, com produção musical, com coisas que envolvem a música, de uma forma bem ampla. E a gente sempre teve essa vontade de poder morar fora, na Europa ou em algum outro lugar. E a gente começou a pesquisar os lugares. E no meio desse percurso, indo para fazer final do mestrado, estava havendo um concurso de bolsas da CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior], e eu comecei a pesquisar, a levar mais a sério e pensar nessa possibilidade. E foi assim que tudo começou. A gente ficou pesquisando as universidades e vendo que seria uma possibilidade de, realmente, imigrar para o Canadá ou, pelo menos, ficar um tempo aqui, para gente entender como é essa experiência de morar fora. E estamos aqui. Eu acabei o meu mestrado (eu defendi em 20 de junho de 2018) e no dia 20 de agosto eu estava chegando aqui no Canadá.

Christian: Isso tudo, então, com a mala pronta, praticamente…

Caroline: Eu apliquei para a bolsa e para a universidade daqui, em janeiro de 2018. A gente já tinha mais ou menos essa vontade, e, de certa forma, a gente já estava pesquisando. Mas quando isso se concretizou, a gente teve que se mobilizar para organizar tudo. Para encaminhar a nossa vida para a gente vir pra cá e construir uma estrutura aqui, né?

Christian: Você e seu marido conseguiram o mesmo tipo de visto?

Caroline: O meu visto é um visto de estudante Full Time e o dele é um visto de trabalho.

Christian: Quando você foi aplicar, você já sabia que seria London?

Caroline: Então, na verdade, eu pesquisei várias universidades para aplicar. Algumas delas já tinham passado do prazo. Eu falei com o pessoal da McGill University, em Montreal. Mas, também, eu não falava francês. Mas na McGill dá para você fazer o curso e falar em inglês. Mas, aí, eu comecei a pesquisar e vi que a Western University tem um curso de educação musical muito interessante. E daí, eu comecei a ter contato com algumas pessoas e eles abriram as portas para o meu projeto, se interessaram. E no fim, eu prestei para CAPES e fui aprovada na bolsa. Porém, com as questões políticas do nosso país, essa bolsa acabou não acontecendo e a universidade daqui acabou me dando uma bolsa de doutorado. É uma bolsa que eles dão para todos os alunos aqui. É uma bolsa-trabalho.

Christian: E por quanto tempo dura esse doutorado?

Caroline: O doutorado são 4 anos. A sua bolsa ela cobre os quatro anos. Depois disso, eu sei que você tem que pagar a tuiton (taxa). No meu caso, eu não pago a tuiton de aluno internacional. Eu pago a tuiton do aluno canadense, que é um pouco mais barato, pelo fato de ser um curso de doutorado. A bolsa da CAPES seria interessante porque é uma bolsa integral. Eu não teria que trabalhar, só me dedicar aos estudos. Porém, com a bolsa-trabalho que eu tenho aqui, eu acho que acabei aprendendo mais. Porque a gente acaba trabalhando na Universidade com os alunos de graduação, com os professores. Então, é um aprendizado enorme. Muito mais do que você estar só fazendo a sua pesquisa, fazendo as suas aulas, né? Então, você tem um contato muito mais intenso com a cultura, com toda a estrutura. Então, para mim, foi melhor.

Christian: No caso, a universidade forneceu moradia para vocês? Como é que foi essa parte?

Caroline: Foi bem louco! Porque o visto demorou muito para sair. Eu apliquei em maio e os nossos vistos foram sair no meio do mês de julho. Então, isso foi uma questão bastante tensa, porque a gente não sabia se o visto ia ficar pronto a tempo. E eu tinha que estar aqui em agosto para poder fazer a matrícula (e não perder o curso). Sem o visto a gente não pode vir. Acabou saindo, em um processo bem corrido. Então, eu entrei em contato com a universidade. Eles têm algumas moradias que você aluga, que são apartamentos dentro do Campus. Têm alguns para as famílias, têm alguns para quem é solteiro. Mas a gente acabou não tendo condição de segurar esse apartamento, porque o visto não estava pronto. Então, a gente optou por ficar em um Airbnb por 3 semanas e, neste período, a gente procurou alugar um apartamento aqui. Uma coisa interessante, que eu acho, é que a comunidade de brasileirosdaqui tem vários grupos no Facebook.E foi essa galera de London que nos ajudou. A gente acabou divulgando que a gente estava procurando apartamento, e aí, eles nos ajudaram a encontrar um lugar que se fosse compatível com que a gente poderia pagar.

Christian: Como você comentou no começo, vocês não tinham experiência internacional e, de repente, vocês chegam ao Canadá, mais especificamente, em London. Como foi procurar um lugar para morar, lidar com os primeiros dias na Universidade, tudo no país novo, nova cultura. Como é essa sensação?

Caroline: É tudo muito novo. E, para nós, a gente não teve um período, por exemplo, de vir antes. Tem gente que tem o privilegio de poder sair, conhecer um lugar, visitar antes de vir morar. No nosso caso, não. A gente veio com a cara e a coragem. Com a fé de que ia dar tudo certo. E sabendo, de alguma forma, que a gente estava garantido pela bolsa e por algum dinheiro que a gente tinha. Então, a sensação foi assim… ao mesmo tempo que a gente fica apaixonado por tudo (porque você vê o mundo novo, o Canadá é um país muito bonito!) e as pessoas aqui em Londonsão muito amigáveis. Então, no primeiro momento, você fica maravilhado com tudo. Mas, ao mesmo tempo, é uma sensação de insegurança porque é tudo muito novo. A gente não sabe como as coisas funcionam. E isso é muito diferente do Brasil (isso eu senti). Aqui no Canadá, até para você alugar um apartamento é muito diferente de como a gente está acostumado no Brasil. Então, acaba sendo mais difícil, porque você tem que entender uma dinâmica. É muita informação ao mesmo tempo.

Christian: Qual foi o desafio mais complicado?

Caroline: Acho que uma das coisas mais desafiadoras, quando a gente chegou aqui, o meu marido é produtor musical e a gente decidiu trazer parte do equipamento dele para ele poder trabalhar aqui. E a gente veio por um voo que passava pelos Estados Unidos, por Nova York. A nossa preocupação era imensa de não conseguirmos passar com os equipamentos. Mas, no fim, deu tudo certo. Depois que a gente chegou aqui, a gente teve muita sorte. Primeiro, de sermos acolhidos pela comunidade brasileira e também por ter encontrado pessoas canadenses que nos ajudaram. Mas um dos grandes desafios mesmo foi essa questão cultural. Eu acho que é um choque que todo mundo enfrenta no começo: o idioma, a cultura, entender como é o comportamento das pessoas daqui e como eles também veem a sua cultura.

Christian: Ainda mais na universidade, que já é noutro mundo! Não é só você mudar para outro país, mas tem o mundo diferente da universidade…

Caroline: Foi bem puxado para mim. No primeiro ano foram, praticamente, 24 horas dentro de casa. Meu marido é que fazia tudo em casa, porque eu não tinha condições. Nós somos um casal bem moderno, mas, mesmo assim, eu estava… é muita coisa mesmo para você processar: o sistema de ensino; as disciplinas que a gente tem; o tanto de leitura… porque é descomunal a quantidade de coisas que a gente tem para ler e você fala: como é que eu vou conseguir ler tudo isso em uma outra língua? E entender; não, simplesmente, ler. Entender e discutir com os professores sobre isso. Dá um medo, que você fala: meu Deus, será que eu vou dar conta?

Christian: Os seus colegas são também estrangeiros ou têm mais canadenses?

Caroline: Olha, aqui a gente tem bastante diversidade no nosso programa de música (que é uma coisa muito interessante!). São só 4 alunos na minha turma: eu, outra menina da Inglaterra e dois canadenses. Mas no programa como um todo têm pessoas do Azerbaijão, têm alguns alunos da China, tem outro aluno do Brasil, que entrou esse ano, e têm alguns alunos dos Estados Unidos.

Christian: Como é esse choque cultural?

Caroline: É Maravilhoso! Eu sou suspeita para falar, porque como eu sou musicista e eu sou ligada à área da cultura, sou conectada com a parte da música popular brasileira. Sou muito interessada com essa questão da troca cultural. Então, para mim, eu acho maravilhoso! Depois que passa aquele choque inicial, que você fala: meu Deus do céu! Como é que eu vou lidar com tudo isso? Depois que você entende que: OK! Vai dar para levar! Várias pessoas já fizeram isso, não sou a primeira nem vou ser a última. Então a gente vai dar conta. Vamos lá! Vamos na fé, com calma, paciência e maturidade. Porque eu acho que essa é uma experiência que faz você amadurecer. Você tem que encarar as coisas com maturidade. Depois que passou esse primeiro choque, foi maravilhoso estar com todo mundo aqui, fazer amizades e conhecer sobre outros países.

Christian: Você acha que vir sozinha sem o marido teria sido mais difícil ou você acha que a presença dele ajudou?

Caroline: Acho que ajudou, com certeza! Primeiro, porque você tem alguém que contar. Então, você não está sozinha nesse barco, o que já ajuda muito. E, no meu caso, o meu marido é também um parceiro de trabalho. A gente trabalha junto há muito tempo. Então, o que foi bom para nós, é que a gente veio e já depois de seis meses que eu estava aqui em London, a gente já estava apresentando, tocando, interagindo com os artistas da cidade. Isso é outra questão interessante para quem está pensando em vir, quem é músico, quem é da área da cultura. Porque as pessoas acham que só vai ter coisas para elas nos grandes centros. E isso não é, inteiramente, verdade. Óbvio que em Toronto, Montreal, às vezes em Ottawa, existe uma comunidade maior de artistas e mais oportunidades, claro! Mas, também, existe muita concorrência! Quando você vem para uma cidade, que não é tão grande, também é possível, porque existem muitos espaços culturais. O Canadá é um país que fomenta a cultura, fomenta a arte, que valoriza a arte. Depois de só de seis meses que a gente chegou aqui, nós estamos registrados no conselho de artes de London como artistas locais! Então, se você entrar no site, lá da cidade, você vai ver. A gente ficou muito feliz por isso, por ser uma comunidade que se abriu. De certa forma, nós somos os únicos músicos brasileiros. Não têm tantos profissionais aqui em London. Têm uns músicos amadores, mas profissionais que vivem da música mesmo, têm, acho, que pouquíssimos brasileiros. Eu não conheço nenhum, para falar a verdade.

Christian: Aqui em Ontário, a gente brinca quando a pessoa fala sobre London (ou Londres). A gente pergunta: qual você tá falando? A da Inglaterra ou a de Ontário? Como foi dizer para as pessoas que você estava indo se mudar para Londres? Não a da Inglaterra, mas a do Canadá?

Caroline: Tem gente que, até hoje, acha que eu estou na Inglaterra! (rsrsrs). Mas foi tudo tão rápido que aconteceu, que eu não tive tempo de ficar falando para as pessoas: olha gente, estou indo morar… estou indo para longe. Como demorou para sair o meu visto (e saiu em cima da hora), eu não fiquei anunciando para as pessoas, porque eu não sabia se ia sair, se ia dar certo. A gente fica naquela insegurança… quando saiu, a gente pegou tudo e veio. Então, hoje, a gente tem, frequentemente, que explicar: estamos em London, mas é London em Ontário.

Christian: A cidade de London tem uma cena musical forte? É um lugar bom para se desenvolver uma carreira musical?

Caroline: Olha, depende do que você está pretendendo. No meu caso, eu fico sempre entre a cruz e a espada, porque eu estou trabalhando no meio acadêmico e pretendo seguir uma carreira no meio acadêmico. Então, para mim, a cidade de London na área da música seria muito legal (porque a universidade de Western é uma das maiores do Canadá, é a segunda maior universidade do Canadá e o departamento de música é muito bom). No caso de um artista-performance, acho que London é uma cidade que oferece oportunidades, mas se você quer desenvolver uma carreira mais ampla, você vai ter que se conectar com as outras regiões. O artista é assim, o artista vai onde o povo está, já diz o ditado. Porque o bacana, aqui do Canadá, pelo menos do que eu vi até agora, é que têm muitos festivais. Você tem aqui o Sun Fest e o Festival de Blues, aqui em London. Eu sei que em outras cidades aqui próximas, (Hamilton, Stratford, Kitchener…) eles também têm festivais locais, durante o verão. Então, isso para os músicos aqui, é onde eles têm alta temporada. É onde o pessoal que trabalha, eles se engajam nessas performances que acontecem aqui. E é muito bacana porque elas acontecem, geralmente, ao ar livre (não agora, por causa da pandemia, nesse verão não aconteceu ao ar livre). Normalmente, elas acontecem nas praças. É aberto ao público e o pessoal vai, frequenta, leva sua cadeirinha, leva a sua cervejinha, o seu suquinho. Eles, realmente, curtem muito a música que é oferecida.

Christian: Você sente que a música brasileira é conhecida pelos canadenses? Qual o olhar, a aceitação deles para com a música brasileira?

Caroline: Acho que o Brasileiro é bem-vindo. Principalmente, quando se trata de música, de cultura, o Brasil tem muito a oferecer. Tem uma diversidade musical enorme e eu, como o artista, fui muito privilegiada. Porque eu tive na minha formação, a oportunidade de me envolver não só com a música erudita, que faz parte da formação de todo músico (pelo menos da maioria dos músicos), mas, eu me envolvi muito com a cultura popular do Brasil. Então, hoje eu me sinto confortável para chegar aqui e compartilhar essa cultura. O que acontece é que, às vezes, o pessoal não conhece muito a cultura do Brasil. Eles ouvem falar. Então, as pessoas perguntam da Garota de Ipanema, do Carnaval, do futebol, que são os temas mais comuns. Mas, é interessante que, quando você vai se aprofundar mais e trocar mais sobre o assunto, existe um interesse muito grande. E quando a gente apresenta a música brasileira de várias formas, seja samba, seja baião, seja choro, seja a própria Bossa Nova, é muito bem recebido. Pelo fato de sermos músicos da área do Jazz, a gente começou a tocar e os músicos queriam vir tocar com a gente. Mas foi muito difícil a gente encontrar um músico para tocar música brasileira, para tocar samba, por exemplo. O baterista que está tocando com a gente, atualmente, ele mora em Waterloo e ele é da Macedônia. Ele tocava com o Circ du Solei na Alemanha. A gente acabou se conhecendo pela internet e acabou dando certo de tocar. Porque, realmente, a música brasileira é uma música muito diferente. Não é, simplesmente, botar uma partitura e sair tocando. Não existe isso. É uma questão muito específica. A gente já teve essa troca de tocar com outros músicos… cubanos, africanos. O meu marido está tocando com uma cantora canadense que chama Lorraine Klaasen. Na verdade, ela é sul-africana e mora aqui no Canadá há muitos anos. Ela era baseada em Montreal… morou lá em Montreal durante muitos anos e agora ela está morando aqui em London. Então, quando a gente chegou aqui, uma das professoras da universidade falou: “conheço uma cantora que está procurando um pianista”. E aí, deu certo. Também, porque a música africana e a música Brasileira têm uma conexão. Nós somos filhos da África, né? Então, combinou. Mas assim, é muito difícil. Mesmo você tendo músicos de nível altíssimo aqui na universidade, é difícil você encontrar pessoas que consigam se adaptar e tocar a música brasileira de uma forma que soe como música brasileira.

Christian: Fale um pouco sobre o Aiyoyo.

Caroline: A gente já tinha esse projeto e aí, a gente repaginou. Quando a gente chegou aqui no Canadá, as pessoas queriam ver um site, queriam ter informações e a gente não tinha isso pronto. Então, o Aiyoyo é um projeto onde a gente faz releituras de músicas do mundo todo. Músicas populares, principalmente Jazz, música brasileira, Blues… a gente faz uns arranjos originais das músicas. Também, é um espaço que, futuramente, a gente pretende lançar nossas músicas autorais. E a gente oferece a nossa performance para eventos culturais, eventos de empresas. Então, a gente já tocou em alguns eventos aqui. Às vezes, também, a gente toca em casamentos ou festas (que também faz parte). Mas, o objetivo do Aiyoyo é o da gente, futuramente, conseguir colocar o nosso trabalho autoral e estar expandido para tocar mais nos festivais aqui do Canadá. Um passinho de cada vez.

Christian: Qual a relação das crianças de London com a música e a música na grade curricular?

Caroline: Olha, eu tenho tido contato, porque eu como eu estou fazendo pesquisa aqui, eu tenho contato com várias escolas locais (tanto Elementary School quanto High School), no Canadá de um modo geral, mas, há uma diversidade muito grande mesmo (como a questão étnica) na sala de aula. Existe sim, o incentivo….a música faz parte da grade curricular aqui e é obrigatória, pelo que eu sei, na Elementary School e, nesse caso, da Elementary School, a gente chama de educação musical. Então, não é, exatamente, a aula de música de instrumento. Mas é uma musicalização. Então as crianças vão ter contato com a música de uma forma um pouco mais lúdica, através de brincadeiras, através de coral, de canto. Têm várias estratégias que as crianças vão estar trabalhando e desenvolvendo a musicalidade delas. Aí, vai depender de cada professor. Na High School parece que é opcional. Então, eles têm vários modelos aqui. Depende da escola. Tem escola, têm bandas (que tem uma estrutura maior), têm outras que têm corais. São estilos mais tradicionais e têm algumas outras escolas aonde existem programas mais abertos a músicas e também métodos mais progressivos, que a gente chama de educação musical, né?… mais inclusivos. Na música, aqui, ainda é a tradição que domina. Essas tradições da banda, do instrumento de sopro ou instrumento de cordas que é um pouco diferente do que a gente conhece no Brasil. A educação musical no Brasil tem outra história, também. Então, não dá para comparar. São coisas bem diferentes.

Christian: A London do Canadá não tem metrô como a da Inglaterra. Como vocês se locomovem por aí? Vocês têm carro?

Caroline: A gente mora pertinho da faculdade. Não dá para ir a pé. Mas, de ônibus, dá 15 minutos. Assim, é bem rapidinho mesmo. Aqui em London, isso foi uma coisa que eu senti bastante. Porque a gente percebe que quase todo mundo tem carro aqui. A gente não comprou ainda, porque a gente não sentiu que precisaria tanto dele. Até o momento, a gente está conseguindo fazer tudo o que precisamos de ônibus. De uma forma prática, eu moro em frente a um supermercado e não preciso ficar saindo para lá e para cá. O único problema é quando a gente tem que se apresentar. Porque daí, a gente tem que alugar um carro ou tem que ir de Uber. Às vezes, a gente vai com alguém. Então, esse é o lado mais complicado, por enquanto. Porque eu morava em São Paulo (nos últimos anos eu estava morando em Campinas), e, no Brasil, a gente tem ônibus para tudo que é canto. Aqui em London não é assim. Têm alguns locais da cidade que, simplesmente, não tem ônibus. Não existe linha de ônibus que vai para lá! Então você vai de Uber ou não tem como.

Christian: O que você mais gosta e menos gosta de London?

Caroline: Eu gosto de muitas coisas aqui em London. Realmente, foi uma cidade que me agradou muito. Uma das coisas mais bacanas são os espaços a que a gente tem, porque tem muitos parques. Principalmente no verão, você tem muitas opções para sair por perto. Uma das coisas que eu mais gosto aqui é essa natureza. London também é conhecido como Forest City e é realmente uma cidade bem cheia de verde. Eu adoro. Pessoalmente, é muito gostoso! E o que eu não gosto é dessa parte do ônibus, por incrível que pareça. Porque eu sempre gostei e sempre usei muito ônibus. Mesmo tendo o carro no Brasil, eu usava muito o ônibus, por uma questão de praticidade.

Christian: Como é a questão de segurança? Como é aí, em relação ao que você vivia no Brasil?

Caroline: Olha, é uma mudança muito drástica. Muito drástica! Eu estava morando em Campinas, que é uma cidade que tem 2 milhões de habitantes, praticamente, e é violenta. Mas eu, particularmente, nunca fui assaltada, assim, de forma violenta. Só umas coisas mais simples, ali, mais tranquilo. Agora aqui, a gente percebe que a gente fica até mais relaxado. Você anda com celular na rua e não fica preocupado se alguém vai passar e roubar. Lógico que a gente fica esperto com as coisas mas…, para mim, aconteceu um fato aqui que, depois que isso aconteceu eu pensei: gente, só no Canadá! Se fosse no Brasil, jamais!. Eu estava trabalhando como voluntária (eu sou voluntária em vários projetos aqui de educação musical, para pessoas com deficiência). E uma professora amiga, aqui do curso, me emprestou uma bolsa cheia de instrumentos de bandinha (instrumento para crianças) para eu trabalhar nesse projeto voluntário. Porque eu não trouxe meus instrumentos do Brasil e aqui não tenho tantos instrumentos assim. E ela falou assim: “Carol, pode pegar e usa porque eu não estou usando e tal”. Eu fui de ônibus até o local, que fica do outro lado da cidade. Então, tem que tomar 3 ônibus para chegar lá. Estava um dia de inverno e eu carregando um monte de sacolas. Eu só sei que eu cheguei ao Shopping para pegar o outro ônibus, desci do ônibus onde eu estava, peguei a minha sacola e… deixei a bolsa de instrumentos lá dentro. E aí, na hora que eu desci, eu percebi e tentei correr atrás do ônibus. Não deu, não consegui. E aí, eu fiquei desesperada e falei assim: gente eu perdi os instrumentos da minha professora. Como é que eu vou fazer agora? Daí eu liguei para a central dos ônibus e falei para a moça o que estava acontecendo. Ela, automaticamente, contatou o motorista do ônibus e falou: “você vai ter que esperar 40 minutos até ele fazer o ciclo. Fica aí. Não sai daí. Quando ele voltar, você pega o instrumento”. Eu falei assim: bom, agora estou nas mãos de Deus. O que virar, virou. E eu fiquei lá, esperando esses 40 minutos ali, rezando e tomando alguma coisa para me acalmar. E não deu outra. O ônibus chegou e o motorista já me viu, me reconheceu e a sacola estava exatamente no mesmo lugar que eu tinha deixado. E estava intacta! Realmente, isso é uma diferença.

Christian: Você não voltou ao Brasil ainda, depois que chegou aqui?

Caroline: Eu fui uma vez.

Christian: E como é que foi o choque? Porque tem o outro choque ao reverso. Quando você chega lá, já começa a comparar ao contrário, vamos dizer assim…

Caroline: Eu não gosto de ficar fazendo comparações, porque eu acho que é muito injusto comparar. O Brasil é um país maravilhoso e têm coisas maravilhosas, também. Têm muitas coisas que eu gosto! E o Canadá, também. Mas são histórias diferentes, então eu não gosto de ficar comparando. É obvio que o Brasil é a nossa casa, então tem um gosto diferente. Mas o que eu percebi, e que na hora, assim, me veio, é que logo que eu cheguei aqui [no Canadá], principalmente no primeiro ano, todo lugar que eu ia, eu tinha que pensar: como que eu vou falar isso em inglês? Eu entrava na padaria, eu entrava no mercado e qualquer informação que eu ia pedir, eu tinha que pensar antes. Ai eu estava no Brasil, junto com a minha mãe, e eu fui a uma farmácia e, antes de entrar, na farmácia, eu estava fazendo isso: como é que eu vou pedir esse medicamento em inglês? Aí, eu me toquei: nossa eu não estou no Canadá, eu estou no Brasil, deixa eu falar português! (rsrsrs)!. Quando a gente está aqui, a gente não se dá conta do tanto que o cérebro da gente… o quanto é cansativo! Tinha dias que eu chegava em casa e eu estava assim, só o pó da rabiola, como o pessoal fala. Estava, extremamente, exausta e eu não tinha feito nada de diferente do que eu estaria fazendo no Brasil. Mas, pelo fato de eu estar falando em uma língua estrangeira e todo mundo falando ao mesmo tempo…, é muito tenso para o corpo da gente. Não é só uma questão de choque de cultura.

Christian: Após o término do seu doutorado, vocês pretendem ficar no Canadá?

Caroline: Eu quero ficar aqui. Agora, como aluna de doutorado, pela legislação daqui, eu tenho direito aplicar para três anos de experiência de trabalho no Canadá. Então, eu pretendo fazer isso.

Christian: E vai continuar em London ou quer sair de London?

Caroline: Vai depender do que for possível em questão de trabalho, das oportunidades que forem acontecendo. Eu gosto muito de London e meu marido também. Mas, acho que para ele, que é da área de produção musical, tem outras cidades que oferecem mais oportunidades. Mas vamos ver. Agora eu já estou em uma fase em que não estou fazendo mais nenhuma disciplina, só estou na minha pesquisa mesmo, fazendo o trabalho em Part Time. Agora eu tenho mais flexibilidade para começar a pensar no que vai ser daqui para frente. Mas, eu quero ficar aqui. Nós pretendemos imigrar para o Canadá.

Christian: E a questão do inverno? Como foi o seu primeiro inverno? Porque você está recente aqui.

Caroline: Dois invernos. Agora vou para o meu terceiro. Acho que a gente teve muita sorte porque os dois primeiros invernos, que a gente passou aqui, o pessoal fala que não foi assim tão complicado. Eu nasci em São Paulo, mas morei seis anos em Curitiba, na minha adolescência, que é uma cidade muito fria no Brasil. Então, de certa forma, eu me habituei um pouco. Mas, eu não me incomodo com o inverno daqui do Canadá. Eu me acostumei muito rápido. Principalmente, porque você não sente frio dentro de casa. Essa é a melhor coisa. Porque no Brasil a gente sente frio dentro de casa. No começo, o mais difícil de a gente se acostumar foi a neve! Leva um tempo. Os canadenses têm uma estrutura para o inverno que é impressionante! Eles têm máquina para tudo. Para limpar as ruas, para tirar a neve… a gente vê que existe uma estratégia para tudo. E uma das coisas, que eu achei bem bacana aqui, é a questão da segurança, no sentido de que quando tem um freezing rain (chuva congelada) ou quando tem alguma nevasca muito forte, por exemplo, eles realmente param tudo e falam: “vai embora para casa” ou “vamos fechar que é para todo mundo ficar seguro e não ter nenhum tipo de acidente”. Porque acontece mesmo, né?… acidente grave.

Christian: A previsão do tempo aqui é muito importante mesmo. A primeira ou a segunda coisa que você faz no dia é olhar como está o tempo lá fora, porque o seu dia vai depender daquilo.

Caroline: Eu estou aprendendo isso aqui viu, Chris?

Christian: Você já chegou naquele estágio de que 1⁰C é bom?

Caroline: Ah, já! Mas, é impressionante como o nosso corpo se adapta! Até uma professora minha americana, ela fala; “olha, novembro é o pior mês. Porque novembro é quando o frio chega mesmo e o seu corpo está se adaptando”. Aí, depois disso, parece que vai no automático.

Christian: Mas daí, você valoriza o clima também, né. Sabe que tem que aproveitar bem o verão porque depois tudo vai mudar…

Caroline: Isso eu acho muito bonito. Isso, acho que foi uma das coisas que eu aprendi com a cultura canadense. O Brasil é um lugar que a gente tem tudo o ano inteiro. A gente é muito privilegiado, lá e eu acho que a gente dá muito pouco valor a isso. Porque lá, você plantou, você tem um ano inteiro, entendeu? Mesmo o inverno, praticamente, não existe. Então, principalmente, em alguns lugares do Brasil, realmente, não existe essa diferença. E aqui, não. Aqui, essa questão das estações e é muito importante, porque tem tempo para tudo. E se você não fizer, você não vai ter. Se você não plantar, você não vai colher. É assim que funciona. Então, a gente vê que existe essa dinâmica, e é uma dinâmica que eu acho muito saudável, que traz essa coisa mais produtiva. A gente vê que o outono e inverno são as estações que o pessoal produz muito, né? Trabalham muito! E, no verão, você vê que o pessoal aproveita o verão, que vai à praia, vai sair. Para o canadense não tem tempo ruim. Eles estão aproveitando o tempo todo; eu acho isso muito legal

Christian: Vocês praticam o esporte de frio aí? Já fizeram alguma coisa de inverno?

Caroline: Ah não! (rsrsrs). Por dois motivos. Um, porque a gente não tem familiaridade (eu já fui assistir uma partida de hóquei e tal). Mas, como a gente é músico, a gente faz atividade física, mas a gente não pratica esportes de impacto, porque a gente tem medo de quebrar uma perna, de quebrar um braço e ficar incapacitado de tocar. Mesmo que seja por um tempo. Porque a gente usa o nosso corpo para tocar. Então a gente tem um pouco disso.

Christian: O que você aconselharia para alguém que pretende ou pensa em vir para London?

Caroline: Ah! Eu acho que o importante é você pesquisar. Você fazer bastante contato (isso eu fiz bastante!) antes de vir. Eu entrei nas comunidades do Facebook. Têm muitos canais também no YouTube, em que o pessoal fala sobre a cidade. Então eu acho que as pessoas, primeiro, têm que se pesquisar e se preparar. Porque não dá para ver como uma aventura, somente. Tem que pensar que você estará em um país estranho, então, vamos ter dificuldades. Mas, ao mesmo tempo (e é uma das coisas que eu falo por mim), eu conheço muitos brasileiros aqui e cada um tem uma experiência diferente. Então, as pessoas não podem ficar se medindo pela experiência dos outros. Você tem que fazer o seu próprio caminho e pensar qual que é o seu objetivo. O que você quer. Se London vai te oferecer o que você quer, senão, qual é a cidade que vai. Têm tantas cidades! Procure de acordo com o seu objetivo, pesquise e se informe. A partir daí, partir para ação, mesmo, e fazer acontecer! Uma das coisas que eu acho importante é que as pessoas venham abertas a viver experiências. Porque se você vier com uma ideia muito fixa na cabeça, vai ser meio complicado, né? Porque você está em um país diferente, que tem regras diferentes. Você tem uma cultura diferente e nada impede você de mantê-la, porque (e isso é legal do Canadá!) eles permitem e até prezam que as pessoas mantenham as suas culturas, as suas tradições e dos seus países. Eles respeitam isso, mas, ao mesmo tempo, você, também, está em um território diferente. Então, quanto antes você aceitar isso, melhor!

Christian: E qual foi o seu nível de inglês quando chegou à faculdade? Você conseguia se comunicar?

Caroline: Sim.Eu conseguia me comunicar. Até porque a gente tem um mínimo de pontuação… você tem que fazer o Toefl, tem que ter um mínimo de inglês para você poder fazer um doutorado ou mestrado, v d no exterior. Mas, mesmo assim, uma coisa é você se comunicar e outra é você se expressar de uma forma plena. Eu não tinha um nível (e ainda não tenho) de fluência plena no inglês. Não considero, ainda. Eu me comunico bem e até já dou algumas aulas em inglês, até com crianças eu já trabalhei. Mas, tudo o que eu faço exige uma preparação grande para isso. Eu me preparo para dar uma aula, eu me preparo para falar sobre aquilo, eu me preparo para situações. Porque não é assim no automático, ainda, que eu chego e pá! Ainda estou lutando e estudando bastante para isso ficar cada vez mais natural, né? Para não ter que pensar: ai! Como é que eu vou dizer isso, como é que eu vou dizer aquilo? Algumas coisas já fluem bem, mas outras ainda têm um caminho para percorrer.

Christian: O que a Caroline, de hoje, diria para aquela Caroline de julho de 2018, que estava quase vindo para cá? Que conselhos você daria para ela?

Caroline: Eu diria para ela continuar. Para não desistir, porque vai dar certo. O que eu aprendi, com esse processo todo, é que se a gente tem um sonho, se a gente tem objetivo, isso não vai cair do céu. Não vai ser fácil e cada um tem a sua história. Mas, todo mundo tem algum ponto de desafio, porque você tá saindo da zona de conforto. Então, eu falaria para mim mesma: continue! Vai!. Porque eu não me arrependi de ter feito isso. Pelo contrário, está sendo uma experiência fantástica, um grande aprendizado. São oportunidades não só na área de trabalho, mas, principalmente, da vida mesmo.

Christian: Em nome da equipe da Wave, agradeço à Caroline Blumer pela entrevista e, também, por ter autorizado a gente a tocar um trechinho de uma música do Aiyoyo, durante a entrevista. E vale o esclarecimento de que as opiniões e experiências relatadas pelos nossos convidados não significam que será a mesma coisa para outra pessoa. O importante, desses episódios, é que as pessoas conheçam um pouco de como é morar e viver nesses lugares. Se você chegou até aqui, agradeço audiência e até o próximo episódio.

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