
Why We Fight, de Maya Annik Bedward, é um documentário curto e poderoso, cujo título tem um duplo sentido.
Gerdson Dias Alves – a.k.a. Sapo – é um mestre e professor de capoeira, arte marcial afro-brasileira que vem ganhando visibilidade e adeptos por todo o mundo, inclusive no Canadá. A capoeira sempre foi uma filosofia de vida, uma luta, um jogo e uma forma de expressão poderosa para a população negra, descendente de antigos escravos.
No passado, já foi considerada uma atividade ilegal.
Em 13 de maio de 1888 a escravidão foi abolida no Brasil. O governo local temia que os ex-escravos juntassem forças e usassem a capoeira – na época vista como uma luta – para se revoltarem contra o governo, portanto, uma proibição foi colocada e qualquer praticante conhecido de capoeira seria enviado para a prisão. Na década de 1920, as autoridades brasileiras começaram a relaxar a aplicação de sua proibição e, hoje, mais que uma prática, é uma expressão cultural da identidade negra, amplamente disseminada no país.
Para o mestre Sapo, a capoeira é uma peça-chave para o enfrentamento das dificuldades do dia a dia. É que ele e sua companheira Lorena cuidam, aqui no Canadá, do filho Nauê, que luta diariamente por sua vida. Nauê nasceu com IFAP, uma doença genética tão rara, que existem apenas 40 casos no mundo. Os principais sintomas são pele seca e escamosa (ictiose), ausência de pelos (atriquia) e sensibilidade excessiva à luz (fotofobia). As características adicionais incluem baixa estatura, retardo mental, convulsões e tendência a infecções respiratórias.
Pelas previsões, Nauê teria uma vida bastante breve e segundo Sapo “Se não tivéssemos a Capoeira na vida, não acho que Nauê teria chegado tão longe”. Para Sapo, o foco mudou de tentar aceitar a morte iminente de seu filho, para apresentá-lo à capoeira e sua acrobática magia de afirmação da vida.
Why We Fight tem foco na dinâmica da própria família, uma vez que os rituais diários de cuidar de uma criança com necessidades especiais unem e dividem alternadamente Sapo e Lorena. O estresse, o trabalho, as visitas ao hospital e os cuidados, às vezes, deixam o casal cansado e com os ânimos em frangalhos. Mas, como diz Sapo, “o dia em que o Nauê não for mais feliz, ele vai dizer: ‘Gente, muito obrigado pela hora, mas é hora de eu ir.”
Através da capoeira, e implicitamente através da orientação dos membros mais velhos da família (a avó da Nauê está presente no filme através de videochamadas para casa), mestre Sapo procura forças para aproveitar ao máximo cada dia com Nauê. “Para vivermos neste mundo, você tem que ser brincalhão”, diz ele.
A diretora Maya Annik Bedward diz que é muito inspirada pela cultura afro-brasileira, incluindo a capoeira e seu papel na história e nas tradições do país. “Morei um ano no Brasil, conhecendo dançarinos, músicos, artistas e contadores de histórias. A vitalidade e a criatividade que vi lá, me levaram a, finalmente, perseguir minha paixão criativa pelo cinema.”
E ela viu em Sapo, Lorena e Nauê, uma história sobre a resistência da família, contra todas as probabilidades.
“O que pensei ser um simples retrato, transformou-se numa profunda viagem de amor e compreensão. Sapo, Lorena e Nauê abriram-me a sua casa com toda a confiança e, através deles, pude testemunhar o que, realmente, significa ser uma família – o amor, o medo, a luta, a frustração e o carinho. Isso mudou minha vida”.
“O meu objetivo com este filme é dar aos outros a mesma sensação de força e esperança que Sapo e a sua família me deram.”
Why We Fight pode ser visto gratuitamente em todo o Canadá através do canal de YouTube CBC Gem.