O chefe de cozinha Guga Rocha, 47 anos, famoso no Brasil por se dedicar à gastronomia tropicalista, além de apresentar diversos pratos inusitados no seu quadro campeão de audiência do matinal “Hoje em Dia”, da Record TV, tem uma ligação muito estreita com o Canadá e não é de hoje. Isso porque ele, que nem mesmo pensava em se casar, encontrou a sua cara metade na diplomata canadense Elise Racicot, com quem já está junto há 14 anos e tem um filho, o pequeno Gabriel, de 2 anos e meio. “Eu nunca imaginei nem que iria me casar, para ser bem sincero (risos), mas foi algo muito natural com a Elise porque a gente tem uma conexão intelectual muito interessante, que é algo que eu sempre busquei num relacionamento. Ela, por ser uma pessoa extremamente inteligente e culta, traz para mim um prazer de vida gigantesco, pois a gente gosta das mesmas coisas, mas tem curiosidade por coisas diferentes, o que sempre proporciona uma conversa interessante” – conta.

Guga vai mais além ao mencionar que ele e a esposa se complementam quando o assunto é a cultura. “As diferenças culturais que nós temos e que possam ter marcado alguma coisa, foram na verdade um aprendizado. Acho que eu trouxe uma leveza muito grande para um estilo de cultura ao qual ela foi criada, e ela trouxe para mim uma visão muito mais séria do que é o correto em alguns sentidos” – destaca.
Porém, quando falamos de Canadá com o chefe, não é somente sobre a sua amada que ele se refere com muita satisfação, mas também do povo canadense, que se mostrou muito educado, cortês e honesto durante o período em que ele morou no país com Elise, na cidade de Ottawa. “O canadense é muito especial, são pessoas muito educadas, muito honestas e de uma cortesia muito grande. Eu fiz amigos rapidamente, amigos queridos que eu tenho até hoje.
Em 2022, Guga, a esposa e o filho mudaram-se do Brasil para Portugal, em Lisboa, onde ele é chefe executivo de dois restaurantes atualmente. Além disso, ele também abriu um restaurante por lá, o Cerveja Canil. No Brasil, ele tem os restaurantes já consagrados João Brasileiro, em Brasília, e a Tapioteca, em São Paulo. E a empreitada do restaurateur não para por aí, pois ele também está à frente de um fundo de investimento num shopping center, como chefe executivo e sócio. Segundo Guga Rocha, ele e a família pretendem ficar mais quatro anos em terras lusitanas e depois querem seguir por outros países da Europa, para conhecer outras culturas e proporcionar ao filho essa imersão. Porém, ele não descarta a possibilidade de viver novamente no Canadá no futuro. “O Canadá vai ser sempre uma das nossas bases, pois a gente pretende, depois de se aposentar, morar o verão em Montreal e o inverno em Maceió” – afirma.

ENTREVISTA COM O CHEFE GUGA ROCHA
WAVE – Como iniciou a sua história com o Canadá?
GUGA ROCHA – Foi de uma maneira realmente muito natural, tendo em vista que eu conheci a minha esposa em São Paulo, quando ela tinha acabado de chegar, e por intermédio de uma amiga em comum. Nós nos conhecemos e começamos a namorar, enfim… Eu fui conhecer o país dela quando a gente já estava com um namoro um pouco mais sério, e ela também foi conhecer a minha cidade, Maceió. Ela é de uma cidade próxima a Montreal. Então, nós fomos ao Canadá por isso, através da minha esposa.
WAVE – O que mais te chamou a atenção no país? Algo que tenha te marcado.
GUGA ROCHA – O que mais me chamou atenção em relação ao Canadá foram as pessoas, pois o canadense é muito especial, são pessoas muito educadas, muito honestas e de uma cortesia muito grande. Eu fiz amigos rapidamente, amigos queridos que eu tenho até hoje. Outra coisa que me chamou muito a atenção foi a natureza, ver a passagem das estações é algo muito especial porque, imagine, em Maceió a gente não tem as estações do ano definidas, é verão o ano inteiro. E lá no Canadá não, a gente tem primavera, verão, outono e inverno. Cada estação dessa traz algo novo, seja olhar a queda das folhas, as flores surgindo, a primeira neve, as frutas, a mudança dos produtos encontrados no supermercado. Além disso, os lagos são lindíssimos, as florestas incríveis, os animais… Eu gosto muito disso! Eu sou um botânico frustrado (risos), eu sempre falo isso… eu adoro botânica! Então, o Canadá foi realmente uma grata surpresa.
WAVE – Em relação à gastronomia, você incorporou algumas referências da culinária canadense na elaboração dos seus pratos?
GUGA ROCHA – Eu sou muito curioso em relação à cultura dos países e dos povos, eu já viajei mais de 40. Então, por todo lugar que eu vou sempre busco conhecer a cultura, entender como as pessoas se relacionam, o que elas comem, o porquê das tradições, o porquê dos ingredientes… Então, não poderia ser diferente no Canadá, terra da qual hoje eu me sinto um filho também, até porque o meu filho é meio canadense e meio brasileiro. Então, eu também me sinto meio canadense e meio brasileiro. Em relação à gastronomia do Canadá, sim eu incorporei várias coisas, inclusive ingredientes que nunca mais vão sair da minha lista, como o sirop d’érable ou maple sirup, xarope de bordo, que eu acho sensacional, ou seja, a seiva de uma árvore transformada numa das formas de doce mais incríveis que eu conheço. E, em relação à técnica, tem algo que eu gosto muito dessa nova cozinha canadense, que é a utilização em grande quantidade dos legumes, coisa que na cozinha brasileira a gente não tem muito essa tradição. Se você parar para pensar, quando a gente serve uma carne de sol, que é um exemplo bem raiz, você serve o baião de dois, uma farofa, um pirão… E tudo isso é carboidrato ou proteína. O que vai ter de vegetal é o tomate, a cebola, o alho ou talvez uma saladinha de folhas. Mas, a gente não tem muita tradição de utilizar os legumes mesmo, sabe, tipo abobrinha ou berinjela no dia a dia, nos pratos tradicionais. Na cozinha canadense, eu aprendi muito a utilizar mais legumes, a ter mais vegetais no prato e para mim isso foi algo realmente bem interessante. Além disso, a forma de defumação dos peixes que eles fazem foi algo que também me chamou muito a atenção aos olhos.
WAVE – Em algum momento da sua vida você imaginou que se casaria com uma mulher estrangeira? Como aconteceu a aproximação de vocês?
GUGA ROCHA – Não, na verdade eu nunca imaginei nem que iria me casar, para ser bem sincero (risos), mas foi algo muito natural com a Elise porque a gente tem uma conexão intelectual muito interessante, que é algo que eu sempre busquei nos relacionamentos. Ela, por ser uma pessoa extremamente inteligente e culta, traz para mim um prazer de vida gigantesco, pois a gente gosta das mesmas coisas. Porém, temos curiosidade por coisas diferentes, o que sempre proporciona uma conversa interessante, além de diálogos e discussões profundas sobre assuntos dos mais diversos. Então, eu nunca imaginei, mas a aproximação da gente aconteceu por meio de uma amiga em comum, em São Paulo, que falou: “Guga, a gente está indo para um lugar perto de onde você mora” – na época eu morava na Vila Madalena – “… e com o pessoal do Canadá. Você fala um pouquinho de francês, fala bem o inglês, né? Então, vai lá porque seria interessante e você é um cara que anima a mesa, que tem cultura e seria legal para fazer amizade com o pessoal”. Daí eu fui e já se tem aí quase 14 anos que a gente está junto.
WAVE – Houve alguma diferença importante entre vocês relacionada à cultura ou aos costumes e que tenha te marcado ou gerado alguma dificuldade entre o casal?
GUGA ROCHA – Eu vou te falar, a gente tem um tempo grande de relacionamento e foram poucas as discussões que tivemos, porque eu acho que nós dois temos algo em comum, que é resolver as coisas por meio do diálogo, afinal de contas ela é uma diplomata (risos). Então, é isso que ela faz de trabalho e eu sou uma pessoa muito tranquila, eu não gosto muito de embate. Obviamente, que tem as coisas chatas do dia a dia que todo casal tem, mas discussão mesmo é quase nada. Já as diferenças culturais que nós temos e que possam ter marcado alguma coisa, na verdade foram de aprendizado. Acho que eu trouxe uma leveza muito grande para um estilo de cultura ao qual ela foi criada, e ela trouxe para mim uma visão muito mais séria do que é o correto em alguns sentidos. Nós brasileiros temos a tendência de subverter um pouco as normas e as leis, de achar que a gente tem o direito de fazer o que a gente quiser, porque isso é o tal do “jeitinho”, né? E isso para algumas coisas é maravilhoso, pois nos dá um jogo de cintura sensacional, mas para outras não é tão legal. Então, ela me ensinou muito nesse sentido, até no trânsito e nas pequenas coisas que a gente tem como vício. Portanto, acho que eu trouxe para ela justamente essa leveza que o brasileiro tem, essa alegria do dia a dia e, principalmente, a coisa da gastronomia também, pois ela gosta de comer e tal, mas isso nunca foi o centro da vida dela – mas é muito o centro da nossa vida hoje. Ela ama comer, a gente viaja e vai a restaurantes dos mais diversos, dos mais simples e populares aos três estrelas Michelin. Isso é uma coisa que a gente tem em comum, algo muito forte hoje, ou seja, o apego à boa mesa.
WAVE – Como foi para a sua esposa se adaptar à cultura brasileira, principalmente porque ela foi morar no Brasil? E a questão profissional, como ficou?
GUGA ROCHA – Então, a minha mulher é diplomata, então ela foi ao Brasil para trabalhar como cônsul comercial. A adaptação foi assim como todas as outras em um país novo. Antes do Brasil, ela tinha ido o Irã, então com certeza a adaptação por lá foi muito mais difícil, pois o Brasil é um país muito mais aberto e mais fácil de se lidar. Porém, uma coisa que sempre chamou muito a atenção dela foi a questão da violência, da criminalidade, pois o país sempre deixou a gente um pouco ressabiado, com um pé atrás. E, com ela não poderia ter sido diferente, principalmente vindo de um de um país e de uma cultura muito mais seguros em todos os sentidos, principalmente para a mulher, pois a gente sabe disso que, ser mulher não é fácil no mundo, pois vivemos num mundo machista e perigoso. Além disso, o Brasil é um dos países que mais feminicídio tem, e muita violência contra a mulher. Então, esses medos eram obviamente presentes, mas ao mesmo tempo ela se adaptou demais à cultura brasileira. Ela gosta muito da música brasileira, da literatura, da comida brasileira, do pão de queijo – que é uma coisa que faz parte da nossa rotina -, da tapioca, das frutas, dos sucos… Enfim, ela se adaptou muito facilmente à nossa cultura do dia a dia. Sobre a questão profissional, como ela foi para trabalhar pelo consulado, então não houve muito problema, pois já foi meio automático.
WAVE – A educação do filho de vocês está tendo mesclas das culturas dos dois países? Como vocês estão lidando com a questão?
GUGA ROCHA – Algo muito comum para as famílias das quais um dos pais é diplomata é criar o filho já bilíngue desde muito cedo, porque na diplomacia é muito normal que um pai seja ucraniano, por exemplo, e o outro seja do Senegal, ou que a mãe seja inglesa e o pai francês. Então, vem de culturas diferentes, línguas diferentes e até alfabetos diferentes. Portanto, antes de fazer parte desse universo, a gente pensa: “Meu Deus, o menino vai ficar maluco, né?” Mas, não! É muito normal, muito natural e o cérebro humano é incrível, pois quando é novinho é como uma esponja, que absorve muito fácil.
Então, a Elise só fala com ele em francês e eu só falo em português. Obviamente, às vezes eu falo com ele em francês e ela fala em português, mas na grande maioria das vezes a gente tenta falar sempre com ele na nossa língua materna. Ele tem 2 anos e meio e já fala fluente as duas línguas, entende as duas e muda de uma língua para outra com muita facilidade, como é muito normal no Canadá, pois as crianças geralmente falam francês e inglês, no caso da gente é francês e português. No próximo ano ele já vai estudar num colégio inglês, então já vai ser trilíngue desde cedo.
Mas, a educação do caráter do menino é algo que a gente leva muito a sério, pois queremos criar um homem de bem, uma pessoa que tenha uma vida feliz, que consiga algum dia fazer a diferença neste mundo tão difícil que a gente vive. Então, a gente estuda bastante, principalmente a Elise, pois ela é ótima nisso, de como funciona o cérebro de uma criança, de como é o desenvolvimento e o que a gente precisa fazer para potencializar esse desenvolvimento. Por exemplo, ele não vê nenhuma tela de celular ou Ipad, nunca. Ele assiste televisão de vez em quando, mas muito pouco, no tempo limitado de 20 minutos no máximo por dia. E é uma tela numa distância aceitável, porque isso é algo que realmente compromete muito o desenvolvimento cerebral das crianças, então a gente tenta privá-lo das coisas que são nocivas para ele. Até os dois anos, a alimentação dele era muito regrada e correta, pois a gente tem uma alimentação assim.
Por eu ser chefe de cozinha, a gente leva isso muito a sério, ou seja, a qualidade do insumo, do ingrediente, de não encher a criança com produtos processados, até porque a gente não consome isso em casa. Uma coisa que levamos muito a sério também é em relação à criação dele, para que ele tenha acesso às culturas formadoras, ou seja, a tudo o que é canadense e a tudo o que é brasileiro, seja na música, no esporte. Portanto, a gente tenta fazer esse mix e deixar que ele seja uma criança feliz, que possa brincar bastante e que esteja sempre incentivada a poder ter o seu melhor potencial de uma forma feliz. Ele é muito feliz, está sempre rindo, é um menino muito engraçado, está sempre fazendo piada. Então, eu tenho muita sorte de ser pai.
WAVE – Qual é a dica que você dá para quem está num relacionamento com uma pessoa de outro país? O que é importante ter em mente para que o relacionamento vá adiante?
GUGA ROCHA – Eu acho que a grande dica é que essa coisa de país é só uma convenção cartográfica, é só algo que alguém desenhou num papel e pela força se criaram fronteiras e pela violência essas fronteiras foram mantidas. Na verdade, isso não importa, pois todos nós moramos numa pedra que tem uma atmosferazinha que gira em torno de uma estrela gigantesca na vastidão do Universo. Então, essa coisa de país importa muito pouco. O que importa é a cultura de um povo, porque é algo muito fundamental o respeito à cultura de cada um e não achar que uma cultura é melhor que a outra, pois isso é uma coisa que eu já percebi que acontece, que as pessoas começam a competir culturalmente, a minha música é melhor que a sua, a minha comida é mais interessante, o meu povo é isso, o meu povo é aquilo… e, na verdade, tem que entender que o seu país é a sua família, onde quer que você esteja, e que essa célula familiar é a coisa mais importante que existe no mundo. Então, nada é mais bonito do que a mistura das culturas e das tradições. Um exemplo muito legal disso é que a gente aqui em casa come tapioca de queijo coalho com maple syrup, inclusive eu aconselho, viu! E muito bom!
Vocês pensam em morar no Canadá algum dia? Já houve essa conversa entre vocês?
GUGA ROCHA – Nós moramos durante uma época no Canadá, em Ottawa, porque a Elise tem que voltar, às vezes, para a capital por causa do trabalho, a cada oito anos mais ou menos. Mas, a gente não pensa em voltar para a América agora. Hoje, a gente mora em Lisboa, Portugal, onde vamos ficar por mais quatro anos. A gente pretende seguir por outros países da Europa, por enquanto, até para conhecer essas culturas, poder vivenciar um pouco isso e proporcionar ao Gabriel também essa imersão na Europa. Mas, o Canadá com certeza vai ser sempre uma das nossas bases, pois a gente pretende, depois de se aposentar, morar no verão em Montreal e no inverno em Maceió.