Entrevista com Flavio Ferreira, Ancaster-Hamilton, Ontário

Transcrição do episódio da série de Podcast da Wave Ontário não é só Toronto

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Transcrição da entrevista, em áudio, com Flavio Ferreira: Ancaster-Hamilton, Ontário

Olá. Sejam bem-vindos a mais um episódio da série “Ontário não é só Toronto”, o podcast da Brazilian Wave Canadá. O meu nome é Christian Pedersen e, nesta edição, queremos saber: por que o Flavio foi morar em Ancaster/ Hamilton?

Neste episódio, conversamos com Flavio Ferreira que, junto com esposa e filhos, mora há 15 anos no Canadá. De Mississauga, que fica em torno de 20 km de Toronto, mudou-se para Ancaster, que é um subúrbio da cidade de Hamilton, distante cerca de 60 km de Toronto. Flavio é um empreendedor do setor de importações de produtos brasileiros. Compartilha conosco suas experiências e deixa evidente a satisfação com sua vida atual.

Uma informação interessante para esse episódio, que também vale para o episódio de Sudbury e também o de Kanata/Ottawa, é sobre amalgamação. Apenas os governos provinciais têm o poder de amalgamar cidades. Por exemplo, em 1998 o governo de Ontário resolveu juntar as cidades de Toronto, Scarborough, Etobicoke, North York, York e também o bairro de East York em uma cidade só, que se tornou a cidade de Toronto. Essa é uma decisão controversa, nem todo mundo gosta dessa ideia, mas, segundo as explicações, é que juntando essas cidades, que já estão muito próximas, ou praticamente grudadas, facilita o governo e a administração delas.

Em 2001, aconteceu a mesma coisa em Ottawa. Onze cidades foram unidas ou amalgamadas e formaram a cidade única de Ottawa. Uma dessas municipalidades era Kanata, que era independente e passou a fazer parte de Ottawa. Isso também aconteceu com Hamilton em 2001, quando, até então, a região chamada Hamilton-Wentworth sofreu amalgamação e as cidades de Hamilton, Ontário, Ancaster, Dundas, Flamborough, Glanbrook, e Stoney Creek se juntaram formando a Grande Hamilton.

Christian: Olá Flavio, tudo bom?

Flavio: Tudo bem, e você?

Christian: Tudo ótimo. Obrigado por participar do nosso podcast.

Flavio: O prazer é meu.

Christian: Você já está aqui no Canadá há 15 anos. Já é um veterano.

Flavio: Saímos do Brasil no dia 18 de março e chegamos aqui em 19 de março de 2006.

Christian: Por que o Canadá?

Flavio: Eu já havia morado na Inglaterra, nos Estados Unidos e já tinha visitado o Canadá. Vim a trabalho uma segunda vez, porque eu tinha que visitar um fornecedor em Michigan [nos Estados Unidos]. Aí, um amigo meu que tinha parentes em Toronto me falou: “olha, vamos ficar na casa da minha irmã lá? E de lá a gente vai para Michigan visitar o seu fornecedor”. Então eu decidi vir, e, nesse período (isso foi em 2001), eu acabei me encontrando com vários brasileiros. Era verão, o pessoal fazendo churrasco e aí começamos a conversar e a perguntar [para as pessoas do grupo]: “o que você está fazendo aqui?” E as respostas foram: “eu imigrei, eu imigrei…”. Então, aquela sementinha foi plantada no meu coração e depois, em 2005, nós fizemos a aplicação. Demorou 11 meses, o que foi para nós uma eternidade, na época, mas que, hoje, é curtíssimo. Você perguntou por que o Canadá. Eu já tinha dois lugares para comparar, tanto a Inglaterra, quanto os Estados Unidos. Depois que eu vi o Canadá, eu achei que era o melhor dos dois mundos, porque tem uma pitada de UK [Reino Unido] e uma pitada de USA [Estados Unidos].

Christian: E você já veio com família?

Flavio: Já. Vim com esposa e duas filhas. O meu filho mais velho ficou no Brasil, à época (ele já está aqui conosco, mas na época ficou no Brasil). Nós tínhamos uma empresa lá e ele preferiu ficar para tomar conta da empresa. Nós viemos os quatro e chegamos aqui em março. Já estava frio (-7 ⁰C) e viemos com roupa de frio de brasileiro…

Christian: Que não adianta muito, né?

Flavio: Quase morri na chegada! Mas a gente aprende.

Christian: Você veio morar direto em Mississauga ou passou por Toronto? Como foi?

Flavio: Fiz uma pesquisa. Eu não queria ficar em hotel. Achamos um Bed&Breakfast em Mississauga muito bom. Era um casal que alugava quartos e o basement deles era um quarto muito grande, que caberíamos nós quatro com boa privacidade, espaço, banheiro privativo, televisão e tal. Contratei ainda do Brasil (naquela época, a internet era ainda muito básica, não tinha tudo que tem hoje). Fechamos e viemos para Mississauga direto e gostamos muito! Tanto é que acabamos alugando primeiro e depois comprando, uma casa bem próxima desse Bed&Breakfast. Ficamos em Mississauga até agosto do ano passado, quando nós viemos para Ancaster, que é um subúrbio de Hamilton. Um ano antes, nós procuramos casa para comprar e encontramos um local muito bom. A construtora tinha só seis terrenos e nós pudemos definir a casa como ela seria, porque não era uma casa pronta. Fechamos negócio, a casa foi construída e ficou pronta no ano passado. No dia 28 de agosto de 2019, nós nos mudamos e foi uma decisão mais do que acertada! Porque não tínhamos nem ideia, assim como você e todo o mundo, do que iria ser o ano de 2020. Então foi bom, porque viemos para uma casa maior. Agora, estou aqui com as minhas filhas, e o meu filho está com a esposa, também. Minha cunhada também veio para fazer o college e a casa comporta todo mundo. Em Mississauga uma casa do tamanho desta que nós temos, hoje, seria muito cara. O bom de morar fora da Grande Toronto (GTA) é que você mora melhor e paga muito menos. Isso, falando da residência, mas as cidades são muito interessantes, também. São cidades muito mais canadenses, eu acho, do que as da GTA, das cidades mais próximas a Toronto. Estamos aqui já há um ano e três meses e estamos muito contentes! Temos muitos amigos aqui próximos, gente que mora aqui em Ancaster. Mas temos amigos que moram em Burlington, em Oakville. Daqui é um pulo para chegar aos Estados Unidos (não que a gente esteja viajando agora, por causa da pandemia…). Estamos gostando bastante daqui.

Christian: Quando você veio, foi um sonho só seu ou a família veio no mesmo sonho?

Flavio: Foi inicialmente comigo… quando eu voltei dessa viagem a negócios, que eu fiquei conhecendo pessoas que tinham migrado para o Canadá… eu voltei para o Brasil e disse para a minha esposa o que eu tinha encontrado (ela não estava comigo). A princípio, ela se sentiu um pouco intimidada, mas depois, com o passar do tempo e conversando, ela se interessou (ela já tinha morado fora também, nos Estados Unidos). Aí, planejamos uma viagem exploratória e visitamos Toronto. Tínhamos um casal de amigos que, na época, morava perto de Markham/Unionville, que é uma área muito boa também, e aproveitamos para dar uma passeada. Visitamos vários casais de Brasileiros. Viemos como todo mundo vem no início, com muitas perguntas. Fizemos uma lista de perguntas e fizemos as mesmas perguntas para todos esses casais, para, depois, podermos tabular e fazer as comparações. Com base nisso, nós reforçamos a nossa vontade de vir. Eu não posso reclamar, porque não foi uma coisa forçada. Minha esposa veio também consciente e muito interessada na imigração. Minhas filhas, no começo, ficaram muito animadas, mas ficaram receosas porque é o medo do desconhecido, né? No começo, para elas foi difícil. Elas falavam um pouco de inglês, mas a adaptação na escola faz parte da adaptação ao Canadá. Então, no início, fazer amizades e tal. Mas foram uns seis meses só, e, hoje, elas são mais canadenses até do que eu e minha esposa. Elas falam entre elas em inglês, não lembram muito do Brasil e têm dificuldades de entender algumas coisas do Brasil, porque quando nós viemos, a mais nova tinha 10 anos e a filha do meio tinha 15. Hoje, a filha do meio está com 30 a mais nova está com 25 anos. Então, a família se adaptou muito bem. Meu filho veio há dois ou três anos atrás para fazer college de administração e hoje trabalha comigo na empresa. Tenho uma empresa de importação de alimentos do Brasil.

Christian: Quando você recebe o visto para vir para cá, quando você chega aqui, você se vira porque não tem ninguém esperando no aeroporto, você tem que buscar por conta…

Flavio: Quando nós chegamos, não tinha ninguém nos esperando no aeroporto. Eu conhecia apenas esse casal que morava em Markham/Unionville. Então, você tem que sair do zero, ir crescendo no conhecimento e buscando as opções. Os primeiros seis meses a um ano foram bem difíceis, mas de muitos aprendizados. Eu vim para cá com 50 anos. Já é difícil você vir para cá para começar do zero e, com 50 anos, mais ainda! Mas eu tive a felicidade de ter contatos (nos primeiros seis meses de busca por uma colocação aqui no Canadá) com uma pessoa que viu o meu background e me ofereceu uma oportunidade de trabalho no Scotiabank. Passei 10 anos no Scotiabank. Trabalhando na área de relacionamento com clientes que tinham caixas eletrônicos dentro de suas empresas. Depois, enquanto eu ainda estava no Scotiabank e, junto com quatro amigos, eu montei a outra empresa. No começo foi bem difícil, mas, como todo mundo, você tem que começar, se esforçar e dar o seu melhor. Daí, a cada ano que passa, as coisas começam a ficar mais fáceis, porque a adaptação ao Canadá cresce. Eu volto ao Brasil para visitar meu pai (que no caso já está com 90 anos) e para visitar fornecedores da minha empresa. Mas, pessoalmente, não tenho vontade de voltar para o Brasil. Eu tenho até, se você me permitir, uma teoria sobre isso: casais que no Brasil tiveram a oportunidade de morar em diversas cidades e regiões conseguem se adaptar melhor no Canadá. Ou então, casais que tiveram oportunidades internacionais de morarem em outros países, de fazerem intercâmbio e tal, quando vêm para o Canadá, têm uma adaptação mais fácil.

Christian: Imagino. Porque você já tem uma experiência anterior de Estados Unidos, depois Inglaterra…

Flavio: Eu trabalhava em banco, também, no Brasil. Em uma parte da minha carreira morei em São Paulo e morei em Manaus duas vezes (fiquei 12 anos lá e foi onde eu conheci a minha esposa, nos casamos lá e tal). Morei em Londrina, no Paraná, morei em Porto Alegre, no Grande do Sul… então, o lance da minha adaptação, eu já tive todo um treino antes (além de ter morado fora, nos Estados Unidos e na Inglaterra). Pessoas que estão muito ligadas à família não moraram fora e não tiveram uma distância da família sentem mais dificuldade, eu acho. O que é natural e não tem nada de errado nisso! Eu passei, no Brasil, o que muita gente está começando a passar aqui no Canadá… de ter a minha família em São Paulo e estar morando em Manaus, que são seis horas de voo. Eu tenho uma amiga que migrou logo depois da gente (um casal de amigos que mora em Burlington, muito gente boa) e ela tem uma frase que, às vezes quando ela fala, até assusta as pessoas: “burn your bridges” (esquece o Brasil). Se você vem para o Canadá e começa a comparar as coisas com o Brasil: “que no Brasil era assim, que no Brasil era assado…”, você vai ter uma adaptação muito mais difícil. Eu acho que, realmente, ela tem razão. Não é que você vai deixar de gostar do Brasil, que vai esquecer as coisas Brasil, mas tem que encarar o Canadá como é o Canadá. O Canadá não é o Brasil e o Brasil não é o Canadá.

Christian: E como foi, de repente, trabalhar em banco, aqui? Qual a diferença que você viu dos bancos aqui, dos de lá?

Flavio: Olha, antes de eu vir aqui para o Canadá, eu trabalhei no Lloyds Bank. Eu comecei no Bank of London, banco inglês que depois virou Lloyds Bank, e, depois, fui trabalhar no Citybank, que é um banco americano. Deu para vivenciar duas culturas completamente diferentes. E o que eu notei no Scotiabank e nos bancos canadenses é que, realmente, no Brasil, em função da situação econômica que nós passamos por uns 30 a 40 anos, os bancos foram forçados a se modernizar. Aquela inflação da época do Sarney e do Collor que era de 60 a 70% ao mês, não sei se você se lembra…, na época, no Brasil, eu trabalhava na Lego Brinquedos que é uma empresa dinamarquesa. Uma loucura! Eu era da área financeira, era diretor financeiro e nós tínhamos tabelas de preços pela manhã e depois à tarde. A vivência com essas dificuldades fez com que os bancos brasileiros tivessem que se adaptar e se modernizar. Um exemplo, é o lance do boleto, que é tão popular no Brasil, e que você paga qualquer conta em qualquer banco… coisa que aqui, no Canadá, não tem! Agora, está um pouco mais moderno no mundo inteiro, então nem tanto, mas no Brasil agora tem o PIX, que está revolucionando de novo. Mas o Brasil está, em termos de pagamentos eletrônicos, muito à frente do Canadá. Hoje você deposita um cheque, não sei se já aconteceu contigo, mas eu tenho empresa, e se você não tem um agreement com o banco para ele liberar logo (uma linha de crédito, vamos dizer assim), você fica cinco dias sem o dinheiro na mão, enquanto que no Brasil é um dia só. E agora com essa nova tecnologia que eles estão implementando, é zero, você pagou e o dinheiro sai na hora: sai de um banco e entra no outro. Isso é importante. Mas os bancos aqui atendem às necessidades dos canadenses e estão muito bem.

Christian: Mas é bem mais calmo entrar em uma agência bancária aqui. É até curioso, porque, às vezes, não tem ninguém, a porta aberta…

Flavio: Aquelas portas rotatórias que tem no Brasil, com detectores de metal, isso não existe aqui. Quando eu contava essas coisas para os meus colegas do Scotiabank aqui, eles ficavam assustados, impressionados, porque para eles é uma realidade totalmente diferente. O Canadá é ótimo. Eu adoro o Canadá! Sou um fã incondicional e só me arrependo de uma coisa: de não ter vindo antes!

Christian: Quando vocês vieram, além de roupas, vocês trouxeram coisas de apego pessoal?

Flavio: Nós viemos em quatro pessoas, duas malas por pessoa, então, oito malas só com roupas e com alguns outros objetos pessoais. Deixamos no Brasil algumas caixas com objetos pessoais, na maioria documentos (aquele negócio de imposto de renda que você tem que guardar por oito anos). O resto, compramos tudo aqui.

Christian: E Mississauga, como foi o lado bom, o lado ruim?

Flavio: Eu gostei muito de Mississauga. Não vou mentir que eu tenho até saudades de lá, apesar de gostar muito aqui de Ancaster/Hamilton, também. Mississauga fica perto o suficiente de Toronto para que você possa ir a Toronto, quando necessário, mas tem tudo o que você precisa e que Toronto tem. O local onde eu morava era ótimo com supermercados, lojas de marcas e o maior Wallmart de Ontário fica ali, também. Então, um lugar muito bom e que tinha muitas coisas próximas. É bom também porque é uma cidade bem cosmopolita. Para chegar ao Canadá e entender o Canadá, você tem que entender que o Canadá é um país de migrantes e que, por isso, você vai encontrar gente do mundo inteiro. Então, Mississauga foi bom porque tinha gente do mundo inteiro. Minha filha mais nova tinha um grupo de dez amigas que vinham sempre aqui em casa, gostavam muito da comida da minha esposa, dos bolos e tal. Eram sete chinesas, uma do Vietnã, uma da Índia e uma canadense. Eu achei ótimo, porque elas se integraram nesse ambiente que é um ambiente multicultural do Canadá, que essa é a nossa realidade, você sabe.

Christian: E agora em Ancaster, você costuma vir para Toronto mais constantemente ou já não é tanto?

Flavio: Como nos mudamos em agosto (a empresa é em Mississauga, ali bem perto do aeroporto), o meu planejamento era trabalhar de casa dois, três dias na semana e dois, três dias no escritório e tal… e com a pandemia acabou, então, que eu estou indo uma vez por semana. Hoje, por exemplo, eu fui. Acabei de chegar. E dá pra gerenciar! É lógico que está mais distante agora… eu acabei trocando de carro, comprando um carro híbrido para diminuir os gastos de gasolina também, mas está indo bem. Dependendo de como for a situação com relação à pandemia, agora no ano de 2021 (que eu acho que nós vamos manter a situação atual), eu, talvez, mude a empresa para cá ou não… ou talvez eu deixe lá, porque eu preciso de um lugar que tenha armazém.

Christian: Eu estava lendo sobre Ancaster, em 1823 era a segunda cidade mais povoada de Upper Canadá, região aqui de Ontário. Era mais do que Toronto, mais que Hamilton e só perdia para Kingston.

Flavio: Era uma rota de comércio aqui, né?

Christian: Mas tem um lado histórico bem interessante. Era uma cidade independente que depois foi anexada a Hamilton. Como é que Ancaster funciona com Hamilton?

Flavio: É meio que um padrão que eu noto em algumas cidades canadenses. Mississauga, também, foi assim. Mississauga foi crescendo e absorveu Cooksville, absorveu Streetsville… e, no caso aqui, também. Hamilton foi crescendo até encostar-se a Ancaster, que já existia. Então, Ancaster hoje faz parte da Grande Hamilton. Eu moro, exatamente, a 100 m da divisa de Hamilton com Ancaster. Aí, nós notamos que há uma diferença muito grande de moradias entre Hamilton e Ancaster, pelo menos na área onde eu estou agora. Em Hamilton as moradias são mais antigas (assim como é, também, em Toronto, mais no centro e tal). Ancaster também cresceu e chegou perto de Hamilton. Mas daí, as moradias são mais novas, mais recentes. Eu gosto muito daqui. É um lugar muito bonito. A região de Hamilton tem muitas cachoeiras. Hamilton é uma cidade que fica uma parte próxima ali ao Lago Ontário, onde tem o porto e tal e as indústrias metalúrgicas. Mas tem uma parte que eles chamam de Mountain que é ali no Niagara Escarpment. Que é onde está também Ancaster. Então Ancaster fica acima da região onde está Burlington, Oakville. Nós estamos no Escarpment. Então para chegar a Ancaster você chega a Hamilton e depois a estrada que vai para Brandford faz todas umas curvas subindo a montanha. Nós estamos na montanha. Então aqui é mais frio, neva mais… mas é muito bonito. Nossa!

Christian: Então você está gostando muito daí. É bom!

Flavio: Eu recomendo muito. Tenho vários amigos que estão interessados em se mudar para cá. Tenho amigos brasileiros que já moram aqui.

Christian: Então tem bastante suporte.

Flavio: Nós estamos pensando, inclusive, eu e outras pessoas que moram aqui na região…, a ideia é termos um grupo de apoio aos brasileiros que chegam aqui em Hamilton para estudar na MacMaster University ou no Mohawk College ou vêm trabalhar na região aqui… para a gente dar um apoio para eles. Nós estamos trocando ideia, agora, em como montar esse grupo. Aquele negócio de ter um estatuto, objetivos. Temos já uma sala em vista, que talvez possa nos ser cedida pela prefeitura de Hamilton. Então, nós estamos conversando e analisando as alternativas para termos esse grupo e, realmente, darmos apoio. A Magda é uma pessoa que trabalha com serviço social e tem muita experiência na área, está aqui no Canadá já há bastante tempo, também. Então, a nossa ideia é também darmos apoio psicológico para essas pessoas que estão aqui. Porque essas pessoas chegam e, às vezes, sentem o baque de estar em um país novo e há dificuldades de se adaptarem. E nós queremos dar esse apoio psicológico também. E nós somos poucos brasileiros aqui no Canadá. Eu ouvi um comentário não sei de quem foi, talvez de alguém do consulado, de que na região de Boston nos Estados Unidos tem mais brasileiros que no Canadá inteiro. O pessoal do consulado, acho, disse uma vez, que somos tipo 30 a 35 mil.

Christian: Vamos falar de transporte. Sei que você tem carro, mas, se você não tivesse carro daria para se mover legal, aí?

Flavio: O sistema de transporte aqui de Hamilton eu acho que é bom, mas eu não uso muito. Minha cunhada é que usa mais e a minha nora, que mora conosco aqui, também. Mas, não é como Toronto que tem metrô, porque a população aqui não é tão grande quanto a de Toronto. Mas eu acho que é o suficiente. Agora, lógico, se você tem um carro, você tem mais facilidade de locomoção. Mas é um gasto a mais e nem sempre a pessoa tem a possibilidade de ter um carro quando chegam, principalmente. Mas o sistema de transporte aqui é bom. Se a pessoa vem estudar, tanto a MacMaster University quanto o Mohawk College (que são as duas maiores escolas daqui da região) têm várias linhas de ônibus que param na porta e tal. Agora, cada família é uma família que tem os seus objetivos e as suas necessidades. Conheço muita gente que veio para o Canadá e falou: “eu quero morar no centro de Toronto e perto do metrô”. É uma visão. Também conheço outras famílias que disseram: “eu prefiro ter um carro e morar no subúrbio porque eu gosto de espaço, e quero morar em uma casa”. Cada família que vem pra cá tem uma necessidade que pode ser atendida.

Christian: E como foi se transformar, depois de trabalhar tantos anos em bancos e se tornar um empreendedor? Como foi essa passagem?

Flavio: Foi uma adaptação interessante porque foi aqui no Canadá, mas eu já era empreendedor no Brasil. Depois que eu trabalhei nos bancos, trabalhei no grupo JMacedo da farinha Dona Benta, lá no Brasil, eu acabei montando uma empresa lá no Brasil que ainda existe, inclusive. Então eu já tinha… meu pai foi empreendedor. Eu comecei o meu primeiro trabalho profissional foi com meu pai em uma indústria de alimentos. Era um caminho que eu já queria buscar aqui. E aí, quando eu estava no banco, um amigo me convidou para participar da empresa que é minha, hoje, junto com outros dois brasileiros. Então nós éramos em quatro. E aí montamos a empresa e ficamos todos nós trabalhando nos seus, digamos assim, empregos normais e cuidando da empresa por fora. Até que a empresa cresceu, alguns sócios resolveram sair e eu acabei comprando a parte deles e, hoje, eu estou sozinho na empresa. Mas foi um aprendizado bem tranquilo, em termos da parte legal. É muito mais fácil você abrir e fechar uma empresa aqui no Canadá do que no Brasil. Mas o mercado aqui de alimentos de varejo é bem diferente do Brasil. A minha empresa tem 10 anos já de mercado, e acho que agora é que eu tenho uma clareza maior dos desafios e dos caminhos. Já tenho os contatos certos, já tenho a rede de amigos profissionais e, então, está mais fácil agora do que era há cinco, seis anos atrás. A empresa começou como um distribuidor exclusivo da Forno de Minas, do pão de queijo, que você deve conhecer, depois nós fomos buscando outros produtos para complementar a nossa linha de produtos, porque era mais fácil termos mais produtos para fechar um container do que depender só de um fornecedor. Então começamos a adicionar produtos congelados no nosso portfólio, aí começamos também a trazer polpa de fruta, produtos de açaí e agora já estamos com outros produtos. Inclusive produtos secos que são grãos e vegetais pré-cozidos: mandioca, mandioquinha, canjica que o pessoal gosta. Temos uma linha de orgânicos que é a linha que estamos atingindo o público canadense de quinoa, sete grãos, arroz integral e feijão carioca, orgânicos. A empresa está indo bem. Entramos no décimo primeiro ano de vida. Tem espaço para todo mundo. O mercado canadense, não o de brasileiros no Canadá, mas o mercado canadense de todas as etnias, de todas as culturas é bem interessante. Não é tão grande como o dos Estados Unidos, mas…

Flavio: E para a pessoa que quiser morar, viver em Hamilton, o que você daria de recomendação para ela?

Flavio: Se a pessoa está no Brasil é importante fazer uma visita exploratória, para não ter surpresas. Difícil agora com a pandemia, eu entendo, mas pode contar conosco. Tem esse grupo no Facebook que se chama “Brasileiros em Hamilton”, pode se inscrever. As pessoas do grupo são muito solícitas, pode pedir apoio. Tem muita gente do Brasil que nós estamos ajudando. Para os que estão aqui no Canadá, é tão fácil! Os que estão na GTA, pega o carro e vem, pega o Go-Train e vem. E pesquisar! As moradias aqui são mais baratas e o custo de vida é um pouco barato do que em Toronto. Eu acho que a qualidade de vida aqui é muito boa. Não tenho a intenção de sair.

Christian: E a segurança? Porque Hamilton tem, às vezes, uma reputaçãozinha de ter mais violência. Às vezes, aqui rola uns boatos, né… para o Brasil não é nada, mas para aqui…

Flavio: Assim como em Toronto, Hamilton tem, em algumas áreas, esse negócio de gangue e tal. Aqui em Ancaster é zero, Ancaster é muito seguro! E alguns bairros em Hamilton, também, são muitos seguros. Mas, como toda grande cidade, têm esses problemas de drogas e tal. Então, antes de a pessoa vir é importante a pessoa pesquisar, conversar, interagir e visitar o lugar para não acabar morando em um lugar que não é tão seguro assim.

Christian: E ter, também, a consciência de que não existe lugar perfeito.

Flavio: Exatamente. Todo lugar tem seu preço, então “Ah, quero morar em Hamilton”. Hamilton é ótimo! Mas é longe de Toronto. Se você quer estar toda hora em Toronto em shows e teatros vai ter que ir de Go-Train. Faz parte. Mas se você quer ficar perto da natureza, ver as cachoeiras, ter lugar para fazer caminhadas, hiking, aqui é bem melhor. Depende do que a pessoa quer. Se a pessoa quer balada, como dizem no Brasil, de ir à boate todo dia, então, more em Toronto do lado do metrô.

Christian: E como é que foi o primeiro inverno aí, comparado com Mississauga?

Flavio: Olha, eu estava esperando mais neve, mas, apesar de não ter sido um inverno tão forte, o meu carro atolou aqui na entrada área onde eu moro, por conta da neve. Mas, conta muito os mais de 10 de Canadá que eu tenho já de experiência. Já peguei muitos invernos aqui. Então, não foi tão forte conosco, porque nós já tínhamos experiência.

Christian: Foi bem pior no passado, né? Eu lembro de 2007 e 2008…

Flavio: É. Em 2008 eu morava em Mississauga e teve um dia que nos chegamos em casa (tínhamos ido à casa de uns amigos brasileiros) e quando chegamos em casa, a porta da minha garagem, era uma town house, uma garagem pequena e tal, e estava na metade de neve! Eu e a minha esposa tivemos que tirar com a pá. Perdemos ali uma hora mais ou menos tirando a neve para poder parar o carro driveway, nem para entrar na garagem! Por enquanto, um inverno só aqui na região de Hamilton, não foi tão sério assim.

Christian: E, para encerrar, o que o Flavio de hoje diria para aquele Flavio que chegou aqui na primeira vez, quando estava se mudando com a família? Que conselho você daria para ele?

Flavio: Olha essa é uma ótima pergunta! O que eu diria? Eu me preparei tanto antes de vir que eu não posso dizer: se prepare mais. Porque, para nós, foram dois, três anos de preparação, não só eu como a minha esposa. As filhas nós colocamos em escola de inglês. Então, o que eu diria: olha, você tem que ter muita paciência e muita resiliência (acho que é essa a palavra em português), porque, no começo, vai ser muito difícil, mas depois as coisas se ajeitam. Então, esse conselho que eu daria para mim há 15 anos atrás, eu daria agora para os brasileiros que estão no Brasil nos ouvindo: tenham paciência, se preparem bastante e melhorem o seu inglês (tenho certeza que você concorda comigo nisso). Não pense que o seu inglês estudado no Brasil (“ah eu estou no último nível…”), não importa a escola, é pouco!

Christian: É horrível chegar aqui e ver: “ah eu não falo nada”…

Flavio: Eu até que não passei muito isso, porque eu passei essa situação nos Estados Unidos, quando eu fui para Michigan, fui fazer um estágio lá (nessa situação de dizer “ah! Estou último nível do curso de inglês, eu sei falar…”). Eu cheguei lá e eu não entendia o que eles falavam na empresa que eu fui trabalhar. Eu não entendia o que eles diziam e eles não entendiam o que eu dizia. E aí passei os três primeiros meses de muito sofrimento. Então, a minha sugestão é: se preparem o máximo possível. Façam contato com brasileiros daqui e peçam ajuda porque os brasileiros aqui estão dispostos a ajudar. Mas não peçam aos brasileiros que se esforçaram para vir para cá, dentro da legalidade, para te indicarem caminhos ilegais. Se você vem para o Canadá, venha para respeitar as leis do país. O Canadá é um país ótimo, maravilhoso! E é o que é hoje, porque todas as pessoas que aqui moram, das várias culturas e várias etnias, estão aqui porque respeitam as leis aqui do Canadá e a maneira como o Canadá é e a cultura canadense. Eu fico muito triste quando vejo brasileiros orientando outros para virem para cá de maneira ilegal. Eu não acho isso correto. Eu acho que todas as pessoas podem ter seus sonhos, têm todo o direito. Mas tem que fazer as coisas de acordo com a lei, no Brasil, aqui no Canadá, nos Estados Unidos, onde for.