Trago a coisa amada em três dias – Crônica de Nilson Lattari

— Trago a coisa amada em três dias —

Mandinga da boa é aquela que traz o nosso objeto de desejo em três dias, ou mesmo em questão de horas. Não importam os meios, mas que os objetivos sejam atendidos. Isso me lembra um clássico de suspense, que os mais jovens não devem nem ter ideia, e que passava na televisão e se baseava no “Incrível, Fantástico, Extraordinário”, uma série de TV com casos de um limite de terror, ou quase isso.

Houve um deles sobre um homem que desejava uma mulher e pediu a um mago, um ser misterioso que ele conhecia, para fazer uma poção mágica que faria com que a indiferente se apaixonasse por ele. No entanto, havia um aviso de que somente algumas gotas seriam suficientes. Por via das dúvidas, ou por achar que elas não seriam suficientes, derramou todo o frasco na bebida dela. O resultado foi que ela se tornou obsessiva em relação a ele, o que fez com que o homem procurasse o autor da poção, explicando o problema. Ele disse que nada poderia fazer, e que a ele só restaria viver naquele inferno de amor onde se jogou.

Tudo bem, isso foi um caso de trazer a mulher amada em poucas horas. Mas, se isso fosse possível sobre outros objetos de desejos. Como, por exemplo, trazer nossas memórias escondidas em três dias, ou menos.

Com elas viriam passagens que esquecemos, agradáveis, momentos que ficaram perdidos lá atrás, no burburinho das imagens que se misturaram, ficaram distorcidas. Nos trouxesse o rosto, as feições, o toque agradável das mãos que nos tocaram. Sentiríamos mais do que imagens, sentiríamos o cheiro que nos agradou, o perfume que viveu em alguns fios de cabelos sedosos. Sentiríamos nosso passar de mãos por um corpo que ficou inesquecível, mas que agora viria nítido, ainda nos fazendo imaginar o sabor daquela paixão momentânea.

Teríamos o sabor do beijo, da palavra doce, agora com a vivacidade do momento, e não mais borrada e difusa que o tempo vai, cuidadosamente, apagando da nossa mente, como um filme gasto de tantas vezes visto.

Sentiríamos o prazer do primeiro olhar. Teríamos a volta das vitórias conquistadas, levaríamos à boca o mesmo sorriso de alegria, choraríamos de emoção, sentiríamos o coração bater novamente com força. Sabor do antes da festa, teríamos por várias vezes o sentimento da ansiedade dos encontros, das promoções recebidas, estaríamos sonhando novamente e teríamos as utopias de volta.

Mas, diria o mago, não abuse demais das visões, apenas as use com regularidade, uma de cada vez. Por certo, alguns abusariam disso e se embriagariam nas visões como um vício, como um depósito de remédios proibidos sem o uso regular. Despertaríamos outras visões que o filme opaco escondeu dentro de nós, como uma gaveta trancada. Reviveríamos outras visões de desgostos, frustrações e derrotas?

Não é bom abusar das memórias. Sabiamente, como os amores que não conseguimos, talvez o Destino nos resguarde de dissabores, e as nossas escolhas não sejam totalmente nossas, mas de um jogo onde conseguimos a felicidade possível.

Mas quem não quer o prazer de volta, não se importa com o perigo. Prazer e perigo andam juntos. Ou talvez o excesso do prazer é que nos poria em perigo de ficarmos, eternamente, presos no tempo.

Portanto, pegue os próximos três dias e viva os novos objetos de desejo.

Leia também…
Outras crônicas de Nilson Lattari
Crônicas de Celina Penteado
Foto poesias de Roberto Solano

Advertisement