Novo livro do repórter investigativo Misha Glenny tem “Nem da Rocinha” como personagem principal.
por Maya Gasparoto
O jornalista britânico, Misha Glenny, é conhecido por best-sellers como “McMafia”, “DarkMarket”, “The Rebirth of History”, “The Fall of Yugoslavia” e “The Balkans”. Sua mais recente publicação, “Nemesis: One Man and the Battle for Rio” conta a história de Antônio Francisco Bonfim Lopes, mais conhecido como “Nem da Rocinha”.
Para ajudar a contar a história de Nem, Glenny entrevistou o próprio Nem na prisão, sua família, amigos, inimigos, policiais e advogados relacionados ao caso. O livro tem Nem como o personagem principal, mas tem a história do Brasil, do Rio de Janeiro e a vida na favela como plano de fundo.
Tive a oportunidade de entrevistar Glenny durante sua estadia em Toronto, no começo de Outubro.
Wave: Em um de seus artigos, você mencionou que seu interesse na história da Europa Oriental veio do seu pai, um tradutor russo. O que fez você se interessar pelo crime na América do Sul?
Glenny: Eu trabalhei por muito tempo nos Bálcãs, antiga Iugoslávia, durante a guerra. Notei que havia uma conexão entre crime organizado e política. O colapso do comunismo levou à globalização do crime organizado. Um aspecto importante disso foi o aumento do tráfico de cocaína entre a América do Sul e a Europa. Houve também conexão com a Rússia, Israel e África do Sul. Eu decidi escrever “McMafia” a respeito do crime organizado global. Escolhi vários países para visitar enquanto eu escrevia o livro. Viajei o Brasil pela primeira vez em 2006. Notei que haviam muitas histórias fascinantes no Brasil e que não tinham sido contadas nos livros sobre o país. Decidi que voltaria para o Brasil para encontrar uma dessas histórias.
Wave: Quando foi a primeira vez que você ouviu falar sobre o Nem?
Glenny: A primeira vez que ouvi sobre ele foi em um passeio turístico que fiz na Rocinha. Eu perguntei para um dos rapazes quem era o famoso “Nem da Rocinha”, e ele respondeu “Nem é o responsável pela paz na Rocinha”. Eu pensei que aquela era uma resposta muito interessante. Eu estava no Rio em 2011, quando Nem foi detido. Todos os noticiários só falavam no assunto e o consideravam o inimigo número 1. Após ler uma das entrevistas que ele deu para uma das revistas, eu percebi que ele era diferente dos outros traficantes. Isso me fez pensar que essa era a história que eu estava procurando para escrever.
Wave: Nem era diferente em quais aspectos?
Glenny: Acredito que ele percebeu que a violência era ruim para os negócios. Uma vez que ele estava no poder, a partir de 2006, ele disse a seus homens para manter as armas longe das ruas. Eu verifiquei uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre as taxas de homicídio e notei os numeros tinham diminuído a partir de 2000. Se a taxa de homicídio declina, as vendas de cocaína sobem porque as pessoas não perdem o medo de ir à favela para comprar drogas.
Wave: É correto afirmar que existia uma Rocinha antes e outra depois do Nem?
Glenny: Sim, podemos afirmar. Ele era muito popular dentro da Rocinha. Ele pagava aulas de capoeira, judô e até construiu um estádio. 1000 cestas básicas eram distribuídas mensalmente para as pessoas mais pobres da comunidade. Nem também doava dinheiro para velórios e remédios. Ele tinha regras muito rígidas sobre tudo. Não era uma democracia, Nem era quem dava a última palavra. Na ausência do governo os traficantes se tornam o Estado.
“Nemesis: One Man and the Battle for Rio” está disponível em todo Canadá e será publicado no Brasil em março de 2016.