Este texto foi publicado também no site WavePets.ca
Não são apenas as pessoas que precisam se adaptar à nova vida ao morar no Canadá. Saiba o que muda no trato com os pets, especialmente no inverno
No momento em que alguém decide imigrar para o Canadá, é inevitável pensar nos desafios que enfrentará, como o de ingressar no mercado de trabalho local, aprender a língua, se adaptar à cultura local e lidar com temperaturas muito mais baixas do que as vivenciadas no Brasil. Para quem tem um animalzinho de estimação, a preocupação com o bem-estar dele entra nessa lista. Entre as dúvidas que surgem, estão: “É caro para manter os cuidados básicos de saúde dele?”, “O que fazer caso fique doente?”, “Como agir durante o inverno, será que ele aguenta o frio?” e “É fácil encontrar moradia?”. A mudança de país reserva algumas surpresas para quem tem um bichinho, por isso é importante se informar bastante antes de se aventurar pela América do Norte.
Frio extremo
O frio é, sem dúvidas, um dos primeiros impactos de estilo de vida em relação ao que os brasileiros estão acostumados na terra natal. Ao se depararem com as temperaturas despencando e a neve caindo do lado de fora da casa no Canadá, muitos não sabem o que fazer para proteger seus animais.
Quando optaram por ter um cachorro, Aléxia Carvalho e André Uriel Carvalho, ambos com 30 anos, queriam um animal que acompanhasse o estilo de vida do casal. “Somos do Rio de Janeiro e adoramos fazer esportes ao ar livre. Por isso, era importante que ele gostasse de fazer trilhas, ir à praia e de estar na natureza de uma forma geral. Além disso, nós já sabíamos que sairíamos do Brasil e o cão teria de se adequar a essa mudança”, conta Aléxia. Pensando nisso, procuraram uma raça que fosse altamente adaptável. O Cookie, hoje com 3 anos, é um Boiadeiro-australiano (ou Australian Cattle Dog, em inglês), raça conhecida por ser utilizada no pastoreio de gado em fazendas, portanto se dá muito bem com diferenças de temperatura e com o dia a dia mais ativo.
Porém, foi já em solo canadense que eles descobriram alguns cuidados necessários para proteger o animal durante o inverno.
“Aqui em Prince George, na Colúmbia Britânica, já tivemos temperatura de -40 graus Celsius. Para decidirmos se levamos o Cookie para passear ou não, aprendemos a observar o comportamento dele, que dá sinais de que não quer sair de casa quando o frio está demais, como voltar para dentro ao abrirmos a porta. Também controlamos o tempo de exposição dele a temperaturas extremas. Quando saímos e o Cookie está com frio, fica levantando as patinhas, mostrando o desconforto com o gelo”, relata.
A bióloga Karina Flor, de 40 anos, trabalha em uma clínica veterinária na mesma cidade e diz que, além da hipotermia, outros perigos das temperaturas baixas são os chamados “frostbites”, que são queimaduras na pele causadas pelo frio. Por isso, Aléxia acerta ao controlar o tempo em que seu cachorro fica do lado de fora de casa e ao observar o comportamento dele. “Alguns animais só conseguem fazer as necessidades na rua, então nesses casos vale esperar ele dar indícios claros de que precisa sair, como começar a rodar ou andar em círculos e ir até a porta. Assim, gasta-se o menor tempo possível ao ar livre em dias muito gelados”, explica Karina.
Outras formas de proteger os bichinhos são colocar botinhas nas patas e vesti-los com roupas apropriadas. Os calçados ajudam a evitar que os produtos jogados na neve – como sal e químicos para degelo – entrem em contato com a pele delicada dos animais. “Alguns desses materiais podem ser tóxicos, causando queimaduras químicas. Já a ingestão pode ocasionar vômitos e desidratação”, afirma Karina (conheça mais cuidados necessários no boxe a seguir). Para evitar esses problemas, Aléxia leva Cookie para andar apenas em lugares que sabe que são seguros e o impede de tentar comer neve, algo que o cão adora fazer. Quando o frio está demais, também é comum haver ressecamento das patas e dos focinhos dos animais. Nesses casos, a aplicação de hidratante nas partes afetadas pode diminuir a descamação.
Especificidades da moradia
O que muitos brasileiros não sabem é que, para além do clima, há alguns outros desafios relacionados aos pets que não são previstos, como a dificuldade para encontrar moradia adequada. Aléxia conta que, antes de embarcar, treinaram o cachorro para a viagem e contrataram um profissional para auxiliá-los com as burocracias necessárias – como vacinas e documentos exigidos pela imigração. Já no Canadá, em agosto de 2021, entraram em contato com proprietários de diversas residências para alugar em Prince George, mas apenas um deles deu retorno. “A maioria não aceita animais. Normalmente, o anúncio dos lugares disponíveis já informa se é pet friendly, como se diz em inglês para o caso de permitirem bichinhos, porém grande parte desse grupo exige que seja de pequeno porte. O fato de o Cookie ser de tamanho médio dificultou ainda mais nossa busca”, relata a carioca.
A família conseguiu alugar um apartamento, onde mora desde então, mas tiveram de pagar um depósito específico para levarem seu cachorrinho. As restrições relacionadas aos animais variam de província para província: enquanto em Ontário é proibido se recusar a alugar uma propriedade para alguém por ter animais, na Colúmbia Britânica isso é permitido. No entanto, de forma geral, os preços dos aluguéis são mais altos em moradias que aceitam pets. Além disso, o pagamento de um valor separado para assegurar que o proprietário do imóvel não terá prejuízo em caso de danos causados pelos bichos é quase regra em qualquer cidade. Já o valor do depósito e da mensalidade varia dependendo da província, do preço do aluguel e do proprietário.
A dificuldade em encontrar moradia também foi enfrentada pela empreendedora digital Thaís Beattie, 28 anos, que mudou-se para Prince George com o marido canadense Benedict Bettie, 29 anos, em 2021, quando ele foi trabalhar na área administrativa da University of Northern British Columbia (UNBC). “Temos uma Golden Retriever, a Dolly, e percebemos que os aluguéis pet friendly são bem mais caros”, diz ela. “No Brasil, não perguntam se a gente tem filho ou cachorro para alugar um imóvel. Aqui você precisa ser aceito pelo dono da casa ou do apartamento dependendo de como é sua família e de suas referências, além de pagar a mais por isso”, completa Aléxia, que ainda sonha com uma casa com área maior para o Cookie poder viver mais confortavelmente fora do frio.
Outro exemplo de questão relacionada às moradias são as regras sobre o uso de telas em janelas e varandas, importante item de segurança quando se tem gatos em apartamentos. Dependendo do condomínio, não é permitido instalar esse tipo de proteção. Foi isso que descobriu o casal Jéssica Chaves Cardoso, 31 anos, e Justin Tyler Gage, 34 anos. “Eu e meu namorado temos dois gatos, O Hobbes e a Maya. Antes, morávamos em uma casa e o Hobbes era muito ativo e passava quase metade do dia solto, andando pelo quintal. Depois de nos mudarmos para Edmonton, em Alberta, foi difícil achar um lugar confortável para ele e financeiramente acessível para nós. Não tínhamos tela de proteção na varanda de nosso primeiro apartamento aqui e eu morria de medo de os gatos irem para lá sozinhos”, conta Jéssica.
Muitos condomínios não permitem esse item por preocupação em caso de incêndio. Para satisfazer a necessidade de Hobbes em explorar do lado de fora, Jéssica conta que passaram a fazer passeios com ele na coleira pela rua. Depois de duas escapulidas da gatinha Maya para a varanda sem proteção, o casal procurou um outro local para morar em que houvesse telas instaladas nas janelas. “Agora estamos bem mais tranquilos, mas pagamos uma taxa mensal por animal para ter os pets, além do aluguel, algo que nunca vi acontecer no Brasil”, diz. Jéssica também lembra de outro desconforto vivido por ter animais de estimação: “No Canadá, é bem comum haver treinamentos de incêndio nos prédios, e o alarme toca com uma certa frequência. Além do barulho, que os assusta bastante, temos de descer as escadas com os bichinhos no colo. Então, a altura também é algo a se pensar ao buscar apartamento com pets. Quando decidimos nos mudar, acabamos procurando um andar mais baixo e passamos do 13o para o segundo.”
Relação com veterinário
As brasileiras contam que encontrar uma clínica veterinária para atender aos bichinhos também não é tarefa simples em qualquer parte do Canadá. Assim como acontece com os médicos de família, as clínicas para pets atendem apenas seus próprios pacientes. Ou seja, ao mudar de cidade, é preciso procurar por estabelecimentos que estejam aceitando novos animais. “Onde eu trabalho, já estamos sem vagas e sei que veterinária é uma especialidade que está em falta em Prince George”, conta Karina. Segundo dados da Associação Médica Veterinária Canadense (CVMA) não é apenas em PG que faltam profissionais da área. Os índices mostram que os proprietários de clínicas e outros empregadores veterinários lutam para contratar e reter profissionais e as taxas anuais de graduação das faculdades de veterinária canadenses mal atingem a taxa de desgaste da profissão.
Thaís teve que tomar uma decisão drástica para que a Dolly pudesse ser tratada de uma condição crônica, pois mesmo depois de um ano vivendo em Prince George ainda não conseguiu encontrar um veterinário que a aceitasse como paciente. “Minha cachorra tem uma infecção persistente no ouvido e tivemos de enviá-la com meus sogros para Pender Island, onde nós vivemos anteriormente, para que ela fosse atendida pelo veterinário de lá”, conta. Mesmo para conseguir a prescrição do remédio que Dolly precisa, é necessário que ela veja um veterinário pessoalmente, algo impossível quando não há clínicas com vagas no local. Alguns veterinários abrem espaços na agenda para atendimentos emergenciais, mas não é tão comum.
Mesmo para tomar vacinas, não basta ir em qualquer lugar. “No Brasil, a gente levava o Cookie em qualquer veterinário com a carteira de vacinação dele e pronto, ele saía vacinado. Aqui não é assim. Quando a gente precisou revalidar as vacinas dele, liguei para diversas clínicas e nenhuma tinha vaga, apenas em uma cidade há duas horas de onde estamos. Por não ser uma emergência, não pudemos ser atendidos no hospital veterinário. Por fim, consegui vaciná-lo, mas foi um sufoco, pois dependíamos disso para fazer uma viagem importante”, diz Aléxia.
Jéssica diz não ter tido esse tipo de problema em Edmonton, onde encontrou atendimento disponível, mas o serviço é pago. No Brasil existem hospitais veterinários públicos e gratuitos, mas no Canadá essa especialidade é particular. Os valores por atendimento variam nas clínicas canadenses e podem ser altos. Por isso, muitos brasileiros optam por contratar seguros de saúde para os pets por preços que vão de 50 a 200 dólares por mês, dependendo do tipo de cobertura. “O problema é que, além de a clínica ter de aceitar o pet, ela também tem de aceitar o plano, então o quebra-cabeças fica ainda mais complexo”, ressalta a carioca.
As variáveis são realmente muitas ao trazer um pet do Brasil ou adotar um já no Canadá. Apesar das dificuldades, a alegria de ter o melhor amigo por perto para aquecer o corpo e o coração durante os invernos gelados não tem preço. As áreas de natureza com espaços voltados para animais de estimação também são atrativos à parte. “Acredito que o canadense é um povo que gosta de ter pet. Vejo muitas pessoas com animais e a natureza maravilhosa nos atrai muito. Aqui existem até aplicativos para vermos trilhas e parques em que podemos levar cachorro. O Cookie adora nadar nos lagos da região”, diz Aléxia. “Para nós, os bichos são como parte da família, não apenas pets”, finaliza Justin, que é canadense.