
Os atletas surdos não participam das Paraolimpíadas, mas têm sua própria competição – as Surdolimpíadas, que também acontecem de quatro em quatro anos. Em julho desse ano, a Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS) levou para a cidade turca de Samsun a maior delegação de sua história, com 98 atletas. Voltou com cinco medalhas, entre elas a primeira medalha surdolímpica de ouro conquistada por um brasileiro. Foi obtida pelo nadador santista Guilherme Maia Kabach, portador de surdez severa profunda bi-lateral, que não apenas venceu a final dos 200 m nado livre como também estabeleceu o novo recorde surdolímpico com a marca de 1:52:55 – cerca de 4,5 segundos acima do índice olímpico dos Jogos Rio 2016.
Como outros atletas surdos, ele pena para conseguir patrocínios porque as competições que disputa tem menos visibilidade que as dos atletas olímpicos e paraolímpicos. “Ainda não somos considerados atletas de alto rendimento e não estamos inclusos nas Paraolimpíadas, o que faz muitos surdos abandonarem o esporte por falta de sustento financeiro”, explica Guilherme, que se expressa oralmente com naturais dificuldades, mas faz leitura labial e domina a linguagem de sinais – recentemente, deu uma palestra sobre sua vida de atleta numa escola de surdos paulistana.
Nas horas vagas, o nadador de 28 anos, que é estudante de Educação Física, gosta de fazer trilhas e de brincar suas duas cadelas Golden Retriever. Além de participar das Olimpíadas de Tóquio, em 2020, seu maior sonho é conhecer seu ídolo: o nadador norte-americano multimedalhista olímpico Michael Phelps.
Esporte de Fato – Como a natação surgiu na sua vida?
Guilherme Maia: Minha mãe, Andrea Fiore Maia, foi nadadora e professora de natação. Foi ela que ensinou a nadar. Ela me levava para nadar todos os dias, inclusive nos finais de semana. Com sol ou chuva, eu e minha irmã estávamos dentro d’água. Com três anos, já subia nas balizas do Tênis Clube de Santos e pulava na piscina de 25 metros, deixando vários sócios desesperados… Porque nunca usei bóias! Com cinco anos, no Clube Internacional de Regatas, em Santos, conquistei minha primeira medalha de ouro, na prova de 25 metros livres. Com 10 anos, fui para o Santa Cecília e continuei a obter títulos. Além de várias vezes campeão santista, fui tricampeão paulista.
Esporte de Fato – Como descobriu as competições para surdos?
Guilherme Maia: Com 18 anos, fiquei sabendo através de um amigo que haveria uma competição mundial só para surdos – as Surdolimpíadas de 2009, em Taipei, na China. Comecei a procurar ajuda para a viagem e a aumentar meu ritmo de treinamento. Com tudo pronto, passaporte e treinamento, só faltava o dinheiro da viagem! Meu tio Almir comprou minha passagem para Taipei. Depois, vendo que não conseguiríamos dinheiro para bancar as despesas lá, falou: “vou depositar o dinheiro que falta na conta de sua mãe, ok? Mas quero que você traga medalha para o Brasil!”. E lá fui eu, sozinho, rumo a Taipei. Foi difícil. Eu era “marinheiro de primeira viagem” e não soube dosar bem o esforço nas eliminatórias e finais. Mesmo assim, conquistei um quinto lugar e dois sextos lugares. Daí em diante, foquei meus treinamentos para as competições de surdos.
No Mundial do Texas, nos Estados Unidos, trouxe duas pratas e um bronze. Bati recordes, mas não trouxe o ouro que tanto sonhava…
Esporte de Fato – Qual é a diferença da natação para surdos para a natação convencional?
Guilherme Maia: Apenas uma: a saída é dada através de um sinal de luz, que fica vermelha e, em seguida, verde.
Esporte de Fato – Nas competições para surdos, quais foram as suas conquistas mais importantes?
Guilherme Maia: Em 2011, fui para o Mundial em Coimbra/Portugal. E consegui uma prata e dois bronzes. Em 2012, sofri uma lesão no joelho, quinze dias antes de nadar o Pan-Americano de Surdos, que foi em minha cidade, Santos. Fiz fisioterapia e tratamentos paliativos para tentar ao menos uma medalha. Obtive nove, sendo quatro de ouro! Em 2013, tinha as Surdolimpíadas de Sofia, na Bulgária. Conseguimos o patrocínio da Nita Alimentos, que foi fundamental para que eu tivesse condições de ir ao evento, e também do Moinho Paulista. Meu objetivo era conquistar a primeira medalha nas Surdolimpíadas para o Brasil. E consegui! Foram duas de prata e um bronze! Em 2015, me preparei para conquistar o maior número de medalhas em uma única competição – o Sul-Americano, em Caxias do Sul/RS. Foram 12 ouros individuais, alguns com recordes, e três bronzes por revezamento. Nessa época, eu já havia sido campeão e recordista brasileiro, sul-americano e pan-americano, vice-campeão mundial e vice-campeão surdolímpico. Mas ainda queria realizar o sonho de minha mãe – e meu também – de ser campeão surdolímpico! No Mundial do Texas, nos Estados Unidos, trouxe duas pratas e um bronze. Bati recordes, mas não trouxe o ouro que tanto sonhava…
Esporte de Fato – E como foi a conquista do ouro nas Surdolimpíadas de Samsun?
Guilherme Maia: Minha mãe nunca me deixou desanimar! Incentivou e mostrou que eu era capaz! E lá fui eu para as Surdolimpíadas de Samsun. Índice técnico altíssimo! Meu técnico Guilherme Monteiro estava lá. Eu precisava dessa medalha. E foi a maior emoção da minha vida! Ouro para o Brasil, com recorde surdolímpico! Levou um tempo para eu acreditar que era o número 1 na prova dos 200 metros livres. E ainda levei mais um bronze nos 100 m livres! Jamais esquecerei e também quem me viu no pódio nunca irá esquecer essa experiência. A primeira medalha de ouro na história das Surdolimpíadas para o Brasil foi o maior presente que dei a minha mãe, professora, técnica, patrocinadora, empresária e fã número 1!
conto com a ajuda da minha mãe e das rifas promovidas pelos amigos… Se alguma empresa puder e quiser me patrocinar, basta entrar em contato pelo e-mail [email protected]
Esporte de Fato – Quais são as próximas competições que pretende disputar?
Guilherme Maia: Em 2018, quero ir aos Jogos Sul-Americanos de Surdos na Argentina, de 8 a 18 de novembro. E também quero disputar o Troféu Maria Lenk, no Rio de Janeiro, a principal competição da natação nacional, para tentar uma vaga na equipe brasileira que irá disputar as Olimpíadas de Tóquio, em 2020.
Esporte de Fato – Você tem patrocínio ou alguma bolsa governamental?
Guilherme Maia: Tenho um patrocínio da Nita Alimentos e apoio da GT Nutrition. Mas, para complementar as despesas e poder levar meu técnico nas competições – o que é fundamental para o desempenho –, conto com a ajuda da minha mãe e das rifas promovidas pelos amigos… Se alguma empresa puder e quiser me patrocinar, basta entrar em contato pelo e-mail [email protected]. Para as Surdolimpíadas de Samsun, os atletas surdos tiveram pela primeira vez a ajuda do Ministério dos Esportes. Torço para ser contemplado com a Bolsa Atleta do Ministério dos Esportes, para ter condições de brigar pela medalha de ouro olímpica!
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